A FRELIMO prepara-se para definir o seu candidato às presidenciais de 9 de outubro. Em entrevista à DW, o politólogo Ricardo Raboco diz que o sucessor de Filipe Nyusi deve ser alguém "sem máculas" e mais próximo do povo.Está marcada para esta sexta-feira (03.05) a sessão extraordinária do Comité Central da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o partido no poder em Moçambique. Nesta reunião do órgão máximo entre congressos, deverá ser definido o candidato às eleições presidenciais de 9 de outubro.
É grande a expetativa relativamente à escolha dos candidatos presidenciais da FRELIMO. E uma pergunta que se faz é se o fator popularidade será suficiente para avançar com uma candidatura?
A questão do perfil é "crucial", responde o politólogo Ricardo Raboco em entrevista à DW. Sobretudo tendo conta o "desgaste" no partido e os mais recentes resultados eleitorais, o sucessor de Filipe Nyusi deverá ser um "candidato sem máculas", não manchado pela corrupção, mas que seja também mais próximo do povo. Alguém que volte a colocar o partido e o país "nos carris", defende o analista, que considera que esta "disputa renhida" nos diversos setores internos pode até ser benéfica para o partido.
DW África: A popularidade será um fator suficiente para avançar com uma candidatura na FRELIMO? Esta questão do perfil, que é uma questão problemática, até que ponto é essencial?
Ricardo Raboco (RR): Penso que é crucial, porque num momento de um desgaste quase que jamais visto do próprio partido, tendo conta os resultados das últimas eleições autárquicas - não aqueles resultados que foram, digamos assim, "fabricados" em sede dos gabinetes dos órgãos de organização e administração litoral, mas o resultado que de facto deveria sair da vontade popular - e também olhando pelo nível de contestação que houve em quase todas as autarquias, com a excepção de algumas onde a própria FRELIMO tem um grau de aceitação muito acima da média. A FRELIMO tinha de pautar por um candidato, digamos assim, popular; um candidato sem máculas, quer com o passado histórico, quer com o contexto recente e, principalmente, em termos de gestão da coisa pública.
DW África: O candidato que será escolhido pela FRELIMO deve ter em conta não só os interesses do próprio partido, mas também deve olhar para os interesses de Moçambique, do próprio país…
RR: Há duas questões candentes na sociedade. A primeira é a corrupção. Os níveis de corrupção hoje são bastante elevados, de tal maneira que muitos de nossos dirigentes estão direta ou indiretamente associados a casos de corrupção. Isto desgasta naturalmente a imagem não só do partido, mas também do próprio Governo, no sentido do termo que é [a imagem de] Moçambique.
Então, se a escolha recair para uma figura com um passado recheado de máculas, e com um presente - porque há de ser naturalmente alguém que já esteve a dirigir alguma instituição, algum ministério do Estado moçambicano. Então, se esta pessoa, no contexto da sua gestão, foi associada a escândalos de corrupção, por exemplo, isto pode ser fatal para os resultados.
DW África: Já correm nas redes sociais até apelos de membros para que não aceitem a compra de consciência. Isto não é uma prova de que, de facto, existe corrupção interna no partido?
RR: Se há esses apelos e isto foi tornado público por figuras proeminentes dentro do partido, em sede dos congressos e dos comités centrais passados, de que havia um claro exercício de compra de consciência… É um sinal claro que, de facto, algo não vai bem dentro do partido. Portanto, se se compra consciência para almejar posições cimeiras do partido e por via daí chegar a posições cimeiras do Estado, então isso tem consequências no futuro.
DW África: Isto só confirma que há aqui uma guerra muito renhida entre diversos setores internos do próprio partido. Temos, por exemplo, a chamada "linha da frente"...
RR: Eu penso que esta guerra, salvo se for uma guerra por questões de quem "é a vez de comer" - como é muito comum não só em Moçambique, como em toda África -, mas se for justamente por um sentimento de que as lideranças atuais estão muito aquém dos reais desafios do país, dos reais anseios da população, estão cada vez mais distantes do povo - e que isto pode a médio ou curto prazo custar caro para a FRELIMO -, então estas guerras internas são de salutar.
DW África: Um apelo de, por exemplo, Graça Machel. Ela falou precisamente disto, de acabar com a complacência dos quadros, quer que o partido volte a olhar para o bem-estar da população.
RR: Claramente, mas a questão é, até que ponto este grupo que defende esta linha que defende este posicionamento tem poderes para influenciar os delegados ao Comité Central, ao ponto de a escolha recair justamente para um candidato que reúna essas capacidades e competências? Portanto, ser alguém que vai novamente voltar a colocar o partido, voltar a colocar o país nos carris.
DW África: Quem é que acha que poderia ter este perfil?
RR: Em termos de perfil, e ao olhar pelo passado, pelo histórico e as propostas que se vaticinam, penso que Jaime Basílio Monteiro é uma das figuras do setor securitário, é alguém que conhece os meandros do setor. O país hoje enfrenta um segundo grande desafio. Falámos da corrupção, mas há outro desafio que é a questão da segurança, não só na perspetiva da segurança humana, mas também nas questões militares - a olhar, por exemplo, para Cabo Delgado e também o crescimento dos raptos.
Então, Jaime Basílio Monteiro - é verdade que é alguém da zona centro e não quero discutir aqui a questão do regionalismo - parece-me um indivíduo que pode estar, portanto, à altura destes desafios: a purificação do partido, do Governo e do próprio Estado, mas também a segurança nacional.
DW África: O MDM também vai escolher os seus candidatos este fim de semana. E daqui a alguns dias, a meio de maio, será a vez da RENAMO. Acha que há uma pressão grande sobre a FRELIMO para escolher agora um candidato que também seja um candidato, de certa forma, mediático? Já sabemos que Venâncio Mondlane, que é uma figura mediática, está disponível para essa candidatura.
RR: Esta é uma possibilidade a não deixar de lado. Estas incertezas podem-nos remeter, portanto, para esse lado, sobretudo dentro da RENAMO. Mas o MDM não vejo que possa ter um potencial de intimidação ao partido FRELIMO. A RENAMO, sim, porque foi notório que a marca RENAMO esteve em alta nas eleições autárquicas.
Voltando para o MDM, há de ser uma questão curiosa, porque o candidato do MDM foi sempre o presidente do Conselho Autárquico da Beira, que já não está entre nós, e tem um presidente de Conselho Autárquico que é mais carismático. Então, vamos ver se desta vez teremos uma lógica contrária. Portanto, se teremos o presidente do partido como candidato ou teremos o edil atual da Beira candidato, ou se poderá eventualmente aparecer uma outra figura dentro do partido, mas que tenha esse mediatismo.