Roda dos Bichos é uma das exposições que inauguram o ciclo expositivo de 2024 no Instituto Tomie Ohtake. E é sempre bom começar com uma roda: roda é encontro e, por isso também, um gesto de abertura para novas histórias e para histórias não contadas ou propositadamente esquecidas.Maria Lira Marques nasceu em 1945, na cidade de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Sem nunca ter passado por uma escola de arte, cresceu com a mãe lavadeira e criadora de presépios, e com o pai sapateiro, que lhe mostrou seu primeiro material de trabalho, a cera de abelha. Mais tarde ela se encontrou com o barro, e do barro nasceram tantas outras rodas. O universo ancestral, cultural e mineral que permeia o trabalho de Lira é imenso. Um Vale do Jequitinhonha sertanejo e impregnado de imaginação e de vivências de povos africanos e indígenas que há muitos séculos se espalham e se encontram pelas terras brasileiras e, neste caso especialmente, pelos sertões de Minas Gerais.Sertões que foram atravessados pelo missionário holandês Frei Xico (1940-2023), com quem Lira teve outro encontro definidor dessa história. Juntos eles se tornaram pesquisadores e agentes da memória da cultura do Vale do Jequitinhonha, gravaram cantos tradicionais e rezas de benzedeiras, além de cantos de trabalho, cantos de lavadeiras, canoeiros e boiadeiros, cantos de louvação, músicas de danças e festas tradicionais, cantos dos congadeiros e tamborzeiros das festas de reinado, folias de reis e outras devoções populares.Em 1975, Lira expôs pela primeira vez sua obra fora de Araçuaí, no Sesc Pompeia, em São Paulo, com outros artistas do Vale do Jequitinhonha. Agora, 48 anos depois, é uma alegria e uma honra o Instituto Tomie Ohtake e a cidade de São Paulo poderem ser casa temporária do trabalho de Maria Lira e compartilhar com o público a oportunidade de ouvir as vozes, as músicas, os versos e as histórias que vêm de lá do Jequitinhonha; ver suas cores, suas pedras, sua terra.A instituição cultural é lugar de criação de territórios compartilhados de saberes e fazeres, de mobilização de outros modos de ver e de pensar, espaço para vislumbrar uma vida em comum, com alegria e possibilidade de fabular e deixar fluir novos repertórios simbólicos. Conversar com o universo encantado de Maria Lira nos dá uma oportunidade única de produzir caminhos em que a megalópole se encontra com o sertão para que possam, juntos, nos dar a ver a diversidade de histórias e de lugares de pensar mundos. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, mineiro também, “no elevador penso na roça / na roça penso no elevador”.Agradecemos aos patrocinadores Oliver Wyman, Dasa, Instituto SYN e Shopping Tietê Plaza, e também à Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e ao Ministério da Cultura, que, por meio de sua Lei de Incentivo, segue estimulando a cena artística e cultural brasileira.