O termo “Bíblia” (do grego, ta biblía) era originalmente o plural do vocábulo “bíblos” ou “biblíon”, que significa “livro”. Bíblia significava, então, originalmente, “os livros”. Todos estes termos são derivados da pronúncia errada da palavra papiro: de papiro, pronunciava-se algo como “babilo”, que se transformou ao longo dos anos em “bíblos” e “biblíon”. A Bíblia, então, é uma biblioteca e, apesar de ser importante considerá-la em sua unidade (afinal, ela foi organizada de uma muito forma específica), deve-se levar em conta o fato de que ela contém uma diversidade de escritos, cada qual com sua própria história, gênero literário e intenção.

Quando se compara os evangelhos sinóticos, constata-se que Mateus e Lucas têm um conteúdo em comum que não aparece em Marcos. Esse conteúdo corresponde, basicamente, a palavras e discursos de Jesus. Por volta do ano 50 do primeiro século, uma coleção de sentenças e ditos de Jesus foi organizada e era usada nas comunidades cristãs para ensino e evangelização. Tinha como marca um forte teor escatológico e comprometimento com a ética do Reino de Deus, anunciado e revelado por Jesus. Essa coleção ficou conhecida como “Fonte Q” (“Q”, da palavra alemã “Quelle”, que significa “fonte”). “Q”, juntamente com Marcos, foi usada como fonte literária por Mateus e Lucas.

Depois da destruição do Tempo de Jerusalém no ano 70 dC, os movimentos religiosos da região siro-palestinense buscavam afirmar a sua identidade frente a esse novo momento. O Evangelho de Mateus nasce nesse contexto, tendo que lidar, principalmente, com o novo judaísmo, de inspiração farisaica, que ficou conhecido como “judaísmo formativo”, que via “as Escrituras” como o novo santuário de Deus. Nesse sentido, Mateus se dirige a uma comunidade judeu-cristã, ensinando que esta comunidade, e não a sinagoga é “o verdadeiro Israel”. Por isso, o Jesus de Mateus é apresentado como o grande e único mestre da Lei – proclama 5 sermões que revelam a verdadeira justiça e até aperfeiçoa a Lei de Moisés.

O Evangelho de João também é conhecido como o “Quarto Evangelho”. Foi escrito em, pelo menos, 3 etapas, tendo sua redação final por volta do ano 90 dC, apresentando diversas camadas literárias e temporais. João escreveu para fortalecer a fé de uma comunidade que sofria hostilidade por causa do rompimento com o judaísmo e que precisava resistir à tendência de uma interpretação gnóstica das palavras de Jesus. Por isso, o Jesus de João é apresentado como o grande profeta anunciado por Moisés e somente a fé Nele, como Filho de Deus, é a fonte da vida. Jesus é o “Logos/Palavra que se fez carne”, sendo exaltado na morte e glorificado na cruz.

Apesar de Mateus ser o primeiro evangelho a aparecer na lista de livros do Novo Testamento, Marcos foi o primeiro evangelho a ser escrito. Isto aconteceu entre os anos 66 e 70 do primeiro século, no contexto da Guerra Judaica que culminou na destruição de Jerusalém e do Segundo Templo. Marcos reuniu diversas tradições e coleções a respeito de Jesus e organizou uma narrativa bem simples, resgatando o querigma dos apóstolos, servindo de esperança para uma comunidade em crise. Por ser o primeiro evangelho, ele se transformou numa fonte literária e serviu de roteiro para Mateus e Lucas. Por isso, estes três evangelhos são chamados de sinópticos (= visão conjunta).