Desporto

"90% das pessoas que frequentam o programa de aprendizagem de boxe deixam as drogas"


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O programa “Knockout: no tires la toalla”, ou não atires a toalha ao chão, em português, está presente em 10 prisões do México e promove a reinserção social dos reclusos através da prática do desporto. Deste programa já saíram 100 professores de boxe certificados e 90% dos reclusos que o frequentam afirmam ter deixado de usar drogas.

O México é o 10º país no Mundo com maior número de presos e o quarto em termos de criminalidade e violência generalizada. Um quadro preocupante e que mantém o país nos números cimeiros no que diz respeito à insegurança da sua população, mas que pode ser combatido através da prevenção e da reinserção prisional.

Desta necessidade de intervenção nos meios mais pobres, como o famigerado bairro de Tepito na Cidade do México, nasceu o programa da associação Red Viral, o “Knockout: no tires la toalla”, ou não atires a toalha ao chão, em português. Este programa tem utilizado o boxe nos últimos 10 anos para motivar os mais e menos jovens para saírem do mundo das drogas e do crime nos bairros mais complicados do México. Eunice Rendon, coordenadora deste projecto, esteve em Paris e falou à RFI de como nasceu a ideia.

"Trabalhamos em bairros difíceis, com campeões de boxe, e isso é algo muito poderoso. O resultado que obtivemos nessas comunidades, por exemplo, em Tepito, que é um bairro muito conhecido por coisas más, é que vimos que os jovens e as crianças ficaram muito motivados ao serem ensinados por campeões. Desenvolveu-se um sentimento de pertença e também um modelo positivo nestas comunidades, o que é muito difícil. Foi por isso que decidimos trabalhar escolhemos o boxe. Mas após dez anos de trabalho, posso temos provas através de dados estatísticos que o boxe não só é um bom desporto para a saúde mental, para o desenvolvimento físico, para a disciplina, para o trabalho em equipa, como também ajuda muito a sair das adições. O resultado que nos orgulha mais é que 90% dos nossos utilizadores deixam de consumir drogas, mesmo as mais difíceis, como a heroína. E disseram-nos que isso se deve ao facto de o boxe se tornar para eles uma droga. E também porque, enquanto quiserem estar no ringue e serem bons, é um desporto muito difícil. Por isso, se não tiverem em boas condições físicas, se fumarem marijuana e se fizerem outras coisas más para eles, não podem combater", explicou a coordenadora.

Este programa saltou então dos bairros difíceis do México para as prisões. Actualmente o Knockout existe 10 prisões mexicanas e tocou nos últimos 10 anos cerca de 6.500 pessoas, proporcionando aos reclusos treinos diários e um acompanhamento especializado a nível da saúde mental. Este não foi um programa fácil de introduzir, já que muitos directores de prisões temiam estar a dar aos reclusos ferramentas para aprenderem a lutar.

"No início, os directores ficaram zangados porque pensavam que lhes íamos mostrar como lutar. Depois, após alguns meses do programa em trabalhávamos mais com as pessoas que estavam quase a serem libertadas e no final das suas penas, foram os próprios directores da prisão a pediram-nos para trabalharmos também com os reclusos mais difíceis e mais problemáticos, porque verificaram que os nossos reclusos estavam muito mais calmos e que estavam a aprender outras capacidades, porque não se trata apenas de boxe, é um modelo abrangente com preocupações emocionais, o que é muito importante. A isto juntamos formações de reconciliação e perdão. Portanto, é muito abrangente", disse Eunice Rendon.

Os reclusos treinam todos os dias, mas têm também consultas individuais com psicólogos, terapia de grupo ainda encontros em vídeo com a família que os espera cá fora, reconstruindo os laços muitas vezes feridos pela criminalidade que os conduziu à prisão. A participação neste programa leva também a uma mudança física, que faz com que muitos reclusos queiram integrar o projecto, cirando longas listas de espera.

"Não temos problemas em ter reclusos que queiram integrar o nosso programa, até temos pessoas a mais, por isso, temos uma forma muito específica de selecionar as pessoas que vão participar. É algo muito aspiracional. Isso é bom para nós, eles querem participar no nosso programa porque podem ver os resultados nos seus pares, porque, desde logo, eles mudam fisicamente. No início, têm uns quilos a mais, andam tristes e cabisbaixos. E quando entram no nosso programa, ficam muito em forma, com músculos e tudo. Portanto, mudam fisicamente, mas também mentalmente. E ficam pessoas muito mais calmas, sem ansiedade, sem depressão, porque às vezes eles têm esse tipo de problemas. Muitos dos reclusos com os quais trabalhamos também foram vítimas de violência quando eram crianças ou quando eram jovens. Por isso, são necessários estes modelos abrangentes para aumentar a sua autoestima e também para lhes dar ferramentas para a vida", explicou Rendon.

Se ter reclusos que queiram participar no programa não é difícil, o mesmo não se pode dizer de trabalhar com as autoridades. As constantes mudanças governamentais fazem com que seja difícil encontrar fundos para este programa que é certificado pelo Conselho Mundial do Boxe, o que levou o Knockout e Eunice Rendon a procurarem ajuda fora do México, nomeadamente através do programa Scale up do Forum da Paz de Paris que a trouxe até à capital francesa.

"Penso que o mais difícil é trabalhar com os governos, porque já lá estamos há dez anos, o que significa que mudámos de governo pelo menos três ou quatro vezes e, de cada vez, temos de os convencer novamente. Eu costumava trabalhar para o governo, por isso conheço os fundos governamentais, mas, com a orientação que recebemos através do programa do Forum da Paz, mudámos também os nossos alvos e este ano vamos trabalhar com três empresas francesas: AXA, EDF e Yves Rocher. Aqui ensinaram-nos a trabalhar com outros tipos de parceiros, o que é muito útil para nós. E também, por exemplo, hoje estivemos com uma das chefes da Unesco. Ela quer que a ajudemos, porque muitos países da América Latina e de outras regiões do mundo estão a perguntar-lhe sobre programas eficazes para trabalhar com jovens com problemas ou gangues. Por isso, ela estava muito interessada em trabalhar com o nosso modelo", concluiu.

As solicitações para Knockout não páram de chegar e este programa já foi adoptado em duas prisões da Argentina, tendo recebido solicitações dos Estados Unidos e outros países da América do Sul. Até agora, já saíram 100 professores de boxe formados através deste programa e reconhecidos pelos Conselho Mundial do Boxe. São estes professores que voltam agora às prisões para ensinar aos reclusos as técnicas do boxe, mas também como reintegrar a sociedade longe do crime.

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