A vida surpreende-nos constantemente com desafios inesperados que por vezes se tornam em oportunidades para fazer algo diferente.
Foi o que fez Salas Baldé, gerente de um restaurante em Londres, que se tornou numa figura inspiradora no combate à pobreza.
Em 2020, quando o mundo se fechou em casa para combater a pandemia causada pela Covid-19, este natural da Guiné-Bissau decidiu oferecer aulas de exercício por videoconferência.
De amigos e familiares, a palavra foi passando e o grupo cresceu. No final do confinamento, muitos participantes ofereceram-se para pagar.
Em vez de guardar o dinheiro, Salas decidiu criar um projecto de solidariedade que já chegou a 12 países, em África e na América do Sul, e ajudou dezenas de famílias necessitadas.
Assim nasceu o Workout to Help, exercício para ajudar, como começa por contar Salas Baldé.
"O Workout to Help foi uma iniciativa que começou durante a pandemia.
Eu trabalho no Nando's, ainda trabalho como gerente, e o Workout to Help começou porque na altura eu estava a treinar uns amigos meus no ginásio. E, entretanto, quando a pandemia, o lockdown [confinamento] acontece, eu estava a pensar para mim o que é que eu vou fazer agora, não posso treinar ?!E estava a caminho do ginásio e estava a pensar, vou pôr os meus amigos online, já que os treino aqui, vou pô-los online e vamos treinar três vezes à semana.
E a partir daí, conseguimos conviver, muitos deles vivem em quartos. Mas assim, conseguimos conviver e conversar e assim as pessoas não ficam isoladas. E as pessoas depois começaram a chamar amigos, amigos dos amigos, a minha irmã também treinava connosco e chamava os amigos.
Passados seis meses, as coisas começaram a voltar ao normal e eu continuei as aulas porque eu gostava muito daquilo. As pessoas com que iniciei aquilo, as pessoas do trabalho, voltaram ao trabalho e começaram a sair aos poucos e fiquei com bastante gente que eu não conhecia, pessoalmente. E (eles) diziam, "Salas, nós temos que te pagar". Mas eu disse, "Não fiz isso por causa do dinheiro, eu não quero dinheiro". Mas até aí, eu não sabia o que estava a fazer. Eu estava só a fazer porque eu gostava de ajudar. Entretanto, eu estava a falar com a minha irmã mais nova que estava na Guiné [Bissau], ela disse-me que os mercados tinham fechado, eu falava com a minha mãe, ela dizia que as coisas não estão bem.
E depois eu voltei para casa, estava a pensar nisso, pensei, se essas pessoas querem pagar, se essas pessoas precisam, eu não quero dinheiro, por que não fazemos e ajudamos essas pessoas aqui? Então, voltei ao grupo e disse, olha, não precisam pagar, cada três, quatro meses fazemos uma doação, vocês sentem que estão a pagar a mim e mandamos o dinheiro para as pessoas que precisam. Começámos pela Guiné porque a minha irmã estava lá e entretanto foi assim que começou. A minha irmã organizou lá, começou a distribuir comida, coisas assim, bens essenciais. E depois voltámos com os vídeos, mostrei ao grupo o que é que fizeram na altura e disse, "Ah, uau, temos que fazer mais disto". Então, depois foi Cabo Verde, duas vezes, depois foi o Brasil duas vezes, Filipinas, Angola, São Tomé e Príncipe.
E conhecias pessoas nesses sítios?
Conhecia pessoas lá. Por exemplo, no Peru, eu fui pessoalmente. Tive o privilégio de poder ajudar três famílias lá, que foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz, ver aquelas pessoas de perto, chorarem e dividirem aquele lado emocional. Foi extraordinário. Depois de um ano pensei, "Porquê que eu não crio uma marca de roupa para o dinheiro servir para essas coisas? 100 % de tudo isso ia para as pessoas. Entretanto, passado dois anos, como eu estava a treinar crianças, pensei, como é que eu posso explicar essa história para as crianças, a perceberem que do outro lado há crianças como elas, que não têm tanto como essas do lado de cá? Porque eu fui uma dessas crianças. Eu nasci na Guiné [Bissau]. Porque por lá não tinha ténis, não tinha nada disso. Aí apareceu a ideia do livro. Escrevi o livro dois anos, dois anos e tal, sem ninguém saber. O primeiro livro é sobre a Guiné [Bissau]. E nesse livro, por exemplo, conta um bocado a história da Guiné [Bissau], depois falo um pouco do Salas e depois, o primeiro livro conta a história de como começou o Workout Help. E como é que nós ajudamos. O Salas sempre nessas histórias vai levar um conjunto de amigos para essa ajuda. São pessoas que participaram do Workout Help e tudo baseado em histórias reais.
Por exemplo, ao Peru, fui com a Daniela e com o Nico. Estivemos lá a ajudar pessoas. E o livro é mesmo baseado em coisas reais.
O segundo livro é sobre o Cabo Verde. O terceiro é sobre o Brasil e soa em zona. Mas só temos cá fora ainda só o primeiro. Escritas, escritas, as histórias estão dez feitas, mas não publicadas.
Então o projecto continua?
O projecto não pára. As aulas online continuam como uma pessoa difrente. Eu estou mais focado no livro, estou mais focado nas pessoas de ginásio. Estou mais focado. Porque o Workout Help está crescendo num ponto que eu não tenho mais tempo de fazer as aulas online. Mas as aulas online continuam.
Quantas pessoas achas que já ajudaste até agora?
Boa pergunta. Sei que ajudámos doze países. Sei que ajudámos, só na Guiné [Bissau] ajudámos, no início, ajudámos 20 famílias. Em Cabo Verde, mais umas dez famílias. No Brasil, na primeira ajuda foram cinco, seis famílias no início. Depois voltámos lá para o Natal. Oferecemos brinquedos e também ajudámos uma casa de idosos.
Já tinhas feito alguma coisa assim?
Nunca. Eu só fui fazendo as coisas. Nem sequer tinha ideia do que estava a fazer. Entretanto, há três meses atrás, o Robbie Brozin, o dono e co-fundador do Nando's, a Coca-Cola convidou-o para ir à inauguração das Olimpíadas [em Paris em 2024] para segurar a tocha. E ele disse [que] gostaria de levar alguém com ele que estivesse a fazer coisas extraordinárias na companhia, dentro e fora.
O meu ‘regional manager [director regional] mencionou o Salas, disse, "O Salas está a fazer isto".
E ele [Robert Brozin] está a ajudar agora ou não?
Ele disse-me "Salas, tu é que vais decidir. Eu quero trabalhar contigo. Eu quero que tu venhas ter comigo a Joanesburgo. Eu vou-te levar a Joanesburgo e a Moçambique. E tu decides depois se queres". Eu estou muito interessado nesses livros. E vemos como é que podemos trabalhar em conjunto.
Então, e o que é que tu achas que isto vai dar?
Eu acho, eu tenho a certeza que o Workout To Help vai ser uma marca muito conhecida internacionalmente. E o meu sonho, por exemplo, que eu acredito que vou poder realizar, é construir escolas, por exemplo, na Guiné [Bissau], em partes que não existem escolas. Facilitar essas coisas. Construir escolas em Angola, em partes que não existem, por exemplo. Tive a experiência de ir a certas aldeias lá na Guiné [Bissau] e as crianças não estudam porque não há nenhuma escola ali. Não há escolas. E não têm, crescem sem poder estudar, sem poder ler, sem saber escrever. E são essas coisas que me fazem levar isto à frente. E depois, inspirar as crianças e dizer-lhes: se o Salas conseguiu fazer isto saindo da Guiné, vocês conseguem fazer muito mais do que isto."
Salas Baldé já leu o seu livro a centenas de crianças em Portugal e no Reino Unido e espera continuar passar a mensagem: que todos podemos fazer algo para ajudar num mundo cada vez mais dividido.