Acompanhe os repórteres da RFI em conteúdos que ilustram o pulsar do mundo na sua diversidade.
... moreShare Reportagem
Share to email
Share to Facebook
Share to X
A Manteigaria abriu uma segunda loja em Paris, em meados de Novembro, devido ao sucesso da sua primeira fábrica. Esta segunda loja situa-se junto à estação de comboios de Saint-Lazare, ponto de passagem diário para meio-milhão de pessoas vindas do mundo inteiro. Este segundo espaço da Manteigaria conta com algumas novidades, por enquanto ainda mantidas em segredo, tal como o é a receita do famoso pastel de nata.
Quem estiver curioso com a confecção de um pastel de nata sabe onde ir. Em Paris, a Manteigaria conta agora com duas fábricas da mais famosa pastelaria portuguesa.
No bairro do Marais ou junto à estação de Saint-Lazare, na capital francesa, os pasteleiros da Manteigaria, especializados no pastel de nata, preparam cada fornada face aos clientes e curiosos. Todo o processo é visível, mas a receita é segredo.
Raúl Andrade, director-geral da Manteigaria em Paris, conta-nos os desafios que se impõem com a rude concorrência da pastelaria francesa, mundialmente conhecida e reconhecida. O pastel de nata soube impôr-se nesta paisagem gastronómica e já é associado à cultura portuguesa.
O sucesso da primeira loja desta mítica casa portuguesa foi tão grande que levou à abertura deste segundo espaço, a 15 de Novembro, onde o interior é diferente e tem algumas novidades, o bairro onde se situa é diferente e o perfil dos clientes é outro. O pastel continua o mesmo.
A visão de Amilcar Cabral de uma África pan-africanista é um ideal que continua a ter uma força inspiradora de tal forma evidente que até nos negócios do mundo tecnológico se faz sentir.
Abel Djassi era o nome de guerra do revolucionário africano responsável por liderar a libertação de Guiné-Bissau e Cabo Verde da colonização portuguesa. Djassi Africa é o nome da empresa que apoia e promove inovadores africanos e da diáspora africana que criam startups tecnológicas.
Os fundadores da Djassi Africa são os irmãos Fernando e Rudolphe Cabral, o trajecto de vida é um dos elementos impulsionadores da linha de acção. Fernando e Rudolphe viveram a infância na Guiné-Bissau, a formação académica foi feita em Portugal, e, agora, é a partir de Londres que, numa perspectiva global mas dedicando um foco particular aos PALOP, apoiam empreendedores mais ousados com actividade em diferentes áreas de negócio.
Perceber o trabalho desenvolvido pela Djassi Africa ou como o programa Afropreneurs pretende envolver 500 startups até 2026 são alguns dos temas da entrevista que Rudolphe Cabral deu à RFI durante a WebSummit em Lisboa.
"Não sei o que o amanhã trará" é um verso do poeta português Fernando Pessoa repetido várias vezes no espectáculo "Pessoa, desde que eu sou eu", encenado pelo mestre do teatro norte-americano, Robert Wilson. O espectáculo de Bob Wilson nasce a partir de textos de Fernando Pessoa é falado em português, italiano, francês e inglês, idiomas que se reflectem também nas diferentes origens do elenco, do qual faz parte a portuguesa Maria de Medeiros.
A actriz Maria de Medeiros interpreta Fernando Pessoa no espectáculo Since I’ve Been Me, Pessoa, desde que eu sou eu, de Bob Wilson. O último espectáculo do encenador norte-americano que, aos 83 anos, explora o universo do poeta português através de uma linguagem visual única que Bob Wilson inventou nos anos 60.
No final do espectáculo, Maria de Medeiros descreveu-nos o trabalho de Bob Wilson, um trabalho que se baseia na intuição e no uso da luz, movimento e cenografia para recriar o universo pessoano. A actriz portuguesa descreve este espectáculo como uma representação lúdica e infantil do próprio Fernando Pessoa, um poeta que questiona constantemente a identidade e o "não ser". Segundo a actriz portuguesa, o trabalho visual e os movimentos lentos no palco criam um espaço de concentração e interioridade que permite ao público embarcar numa viagem profunda, reflectindo sobre a multiplicidade dos heterónimos de Fernando Pessoa.
RFI: O espectáculo desde que eu sou eu encenado por Robert Wilson explora o universo complexo do poeta português Fernando Pessoa. O espectáculo mistura texto, movimento, luz, escultura. Explora temas como a identidade, a auto-representação, a multiplicidade do eu, além de homenagear a criatividade de Pessoa. O espectáculo utiliza elementos como espelhos, distorções para ilustrar a dificuldade de apreender a verdadeira essência de alguém. Maria de Medeiros interpreta uma das personagens de Pessoa ou até várias personagens de Pessoa e esta é a minha primeira questão.
Maria de Medeiros: Pessoa tinha o Fernando Pessoa [ortónimo ] e tinha os seus heterónimos. Sou como pessoa que, um pouco, organiza esse espaço lúdico interior que existe no Pessoa. Tudo o que referiu efectivamente está na peça. Para mim foi muito interessante ver a forma intuitiva do Bob Wilson trabalhar, onde vai buscar finalmente expressões pela luz, pelo trabalho visual, pelos movimentos, para de alguma forma restituir ou apreender o universo de Pessoa, mas sim a grande intuição e a infância porque ao longo da obra de Pessoa, há referência à criança, aos amigos imaginários, como se todo o universo sistema pessoano fosse uma organização lúdica de uma criança. O Bob tratou isso de alguma forma ou se apoiou nisso.
No texto, na interpretação ou na sonoridade. Há muito esta questão e lembra muito a infância, a questão do berço, da mãe. A primeira questão que se coloca é : quem é Fernando Pessoa? É preciso colocar a questão quem é a pessoa para perceber de onde é que vem esta multiplicidade de personagens?
Eu não sei se a questão é quem é Pessoa porque justamente ele é a multiplicidade, mas sendo essa multiplicidade, é matéria fértil para o teatro porque há um jogo de máscaras, há um jogo de vozes, há uma dança das imagens fugazes das personagens e efectivamente, o texto vai buscar fragmentos muito diversos. Todo o final é o Fausto, há uma grande parte do guardador de rebanhos, há Ricardo Reis, há pouco Álvaro de Campos, mas está também um bocadinho presente. São como impressões e acho que o espectáculo assume isso através dessas impressões, o Bob também conta alguma coisa de si no fundo da sua relação à poesia, que passa sempre pelo visual, porque foi interessante vê-lo trabalhar porque tudo parte sempre de uma imagem e, em geral, de uma imagem que ele desenha.
Neste caso, qual é que foi a imagem?
São várias imagens que ele traz desenhadas e que procura criar no espaço e com a luz. Só a partir daí é que se vêm escrever os textos como relâmpagos de sentido que aparecem, mas dentro de um espaço que é essencialmente visual.
E é também o uso de diferentes línguas no espectáculo. Isso contribuiu para explorar a identidade e as múltiplas facetas de pessoa?
Sim, acho que Pessoa é um poeta que se deixa traduzir muito bem. Existem grandes, excelentes traduções do poeta, tanto em francês como no italiano, que é a tradução do Tabucchi. Então é muito belo realmente sentir a vibração destes textos nas diferentes línguas e como não perde nunca no fundo a sua força poética.
Sentiu-o quando os recita em três línguas diferentes neste espectáculo?
Sinto absolutamente, claro, e cada língua Imprime uma perspectiva, um dramatismo diferente. Eu gosto muito desse exercício. Ainda por cima eu sou uma europeia convicta e acho que de alguma forma, é o Pessoa da Europa. É um poeta nosso, absolutamente nosso, mas é um poeta universal.
Como é que chegaram a este impacto visual e emocional da integração com a luz? Vocês são sete actores em palco que dançam com as luzes.
Sim. É um trabalho muito meticuloso, de muitas horas, sobretudo para definir a luz e as posições no espaço. Achei muito interessante dar esse protagonismo à dança, ao movimento, porque há muito trabalho do Bob sobre a lentidão, a imobilidade. Isso também está presente. Por exemplo, todo o início não é realmente um trabalho sobre a quase imobilidade. Mas depois há também o contraste com os corpos em movimento, exprimindo-se absolutamente pela dança.
O espectáculo começa com o público a entrar na sala porque a Maria de Medeiros já está em cena e o espectáculo começa nesse momento?
De alguma forma, já está ali uma figurinha do Pessoa a receber. Mas lá está a receber só com movimento e o movimento muito lento, uma coreografia muito, muito lenta. É engraçado porque muitas vezes as pessoas dizem 'você está completamente parada', quando eu não estou nunca parada, estou sempre em movimento, mas é tão lento que as pessoas têm a sensação da imobilidade e de alguma forma é acolher o público. Já para o universo no qual vamos todos viajar.
E por que esse movimento mais lento? Porque é que o Bob Wilson faz esta proposta, de haver movimentos num tempo muito menos acelerado?
Penso que é a lentidão, justamente essa dimensão de concentração e de interioridade, de nos prepararmos de alguma forma a entrar porque é uma viagem interior e uma grande viagem interior que vamos fazer juntamente ao público.
Essa viagem reflecte a relação de Pessoa com a própria identidade e com o desejo de ser ninguém. Como é que consegue interpretar esta personagem?
Somos máscaras, mas atrás de outra máscara, há outra máscara e há outra máscara é outra. Poder se á chamar a isso, ninguém. O assumirmos, sermos tantas máscaras, mas ou somos tudo isso ou nada.
Fernando Pessoa dizia há pouco continua a ser actual e muito mais hoje?
Muito. Há uma modernidade na língua que é absolutamente extraordinária. Tem sido muito bom voltar a esta poesia, a esta língua. Na verdade, a maior parte dos textos parecem escritos hoje. Daí, realmente, o génio do poeta.
Relativamente a esta questão que provoca um questionamento em relação às fronteiras, às fronteiras entre o outro é o nós mesmos. Essa foi a grande inquietação que ele escrevia e assinava como Bernardo Soares.
Realmente ele questiona até as últimas consequências o ser, e questiona o que é ser no Fausto e também no Livro do Desassossego há ânsia pelo não ser e como lidar com a angústia de ser. Justamente, eu acho interessante é abordar tudo isso numa perspectiva lúdica porque talvez não seja tão dramático nós sabermos ser.
Este não é o trabalho também de uma actriz. Essa procura em relação a outro ser é uma procura pela qual vocês passam e cada trabalho?
Absolutamente é uma representação. É uma imagem do teatro e do que é ser actor. No fundo, o assumir, o não ser ao ser outro, mas como um jogo com a alegria da infância.
A relação entre Bob Wilson e Fernando Pessoa oferece uma visão do poeta que vai além da sua "imagem portuguesa", propondo ao público francês uma leitura mais universal e profunda do poeta português, através da estética visual e poética de Bob Wilson. Para o director do Théâtre de la Ville, Emmanuel Demarcy-Mota, este é um momento aguardado há muitos anos, já que Bob Wilson é um dos maiores artistas da cena internacional, reconhecido pela revolução na arte cénica, que desafiou as convenções com a criações visuais únicas e inovadoras.
RFI: A peça resulta de uma colaboração entre o Théâtre de la Ville de Paris e o Teatro della Pergola de Florença e põem em cena o mundo multifacetado de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos, abordando temas da infância, da identidade e da multiplicidade das máscaras humanas?
Emmanuel Demarcy-Mota: Estava à espera deste momento há muitos anos. Este momento em que um dos maiores artistas da cena internacional que é o Robert Wilson, um artista americano que cresceu nos Estados Unidos nos anos 60, que saiu do meio onde ele estava, emancipou-se e foi para Nova Iorque, onde conheceu os maiores artistas internacionais, num momento fundamental da história americana e europeia, onde a ideia da criação da liberdade é diferente do que se estava a passar no mundo. Estamos nos anos 60 e o que é que ele vai inventar? Ele é o criador do grande espectáculo, que é o que chamou "o olhar do surdo", que é um espectáculo em que não havia palavras e de repente as pessoas vão descobrir um espectáculo onde nenhum actor fala e o espectáculo dura 7 horas. Ele faz essa revolução. Ele é para o mundo um génio do espaço cénico.
A ligação que tenho com ele é muito forte há muitos anos. Depois de ter feito vários espectáculos com ele, a minha ideia era convidá-lo a trabalhar sobre o Fernando Pessoa. Eu sabia que ele não tinha uma relação pessoal com o Fernando Pessoa, mas para mim, a questão da poesia do Fernando Pessoa era muito importante. Queria criar este encontro e escolhi o Robert Wilson para mostrar a diferença ao público francês também noutros países do mundo, através desta nova forma de olhar e descobrir que Pessoa. Não estamos aqui a fazer uma exportação cultural. Estamos a fazer um encontro profundo com dois grandes poetas do século XX o Robert Wilson e o Fernando Pessoa.
Esta é outra visão de Fernando Pessoa por Robert Wilson. Pessoa aparece aqui através de luzes, de espelhos, de movimentos mais lentos, da música e das línguas. É um espectáculo falado em quatro línguas diferentes.
Esse ponto das línguas é uma questão fundamental. A pluralidade linguística é fundamental. A língua é cultura, a cultura não é só arte e a arte não é só cultura e é também a pluralidade das línguas. Há língua italiana dentro deste espectáculo, a língua francesa, a língua portuguesa e a língua inglesa. Vamos levar um espectáculo de dois países, por exemplo, a Roménia. Gostaria que também se pudesse ouvir textos de Fernando Pessoa noutras línguas, como uma língua romena, que é muito importante também porque tem familiaridade com a língua portuguesa e a língua francesa, por exemplo. E essas proximidades dos sons da língua: uma língua e um som, uma língua e um espaço estrangeiro dentro de si próprio. Essa poética dentro do espaço teatral é fundamental porque isto é um poema em cena, com as línguas, com as culturas também dos actores. Porque aqui são actores que vêm alguns do Brasil ou Portugal, dessa lusofonia que conhecemos bem, mas também franceses que tiveram raízes nos Camarões.
Este texto tem que ver com o encontro entre Robert Wilson, que é americano que tem uma visão também da comédia musical do Buster Keaton, do que chamamos o burlesco, o Chaplin. E de repente, há um encontro dentro desse espectáculo, me parece, entre o Chaplin e o Pessoa, o Buster Keaton, que é fundamental dentro dos burlescos americanos, onde não há palavras. A poesia está numa cara, num olhar, num movimento. É o que diz o Pessoa tendo a poesia dele.
É tempo de Pessoa ser conhecido em França?
Sim, o trabalho é fundamental e para mim, é por isso que eu estava à espera deste momento, porque com o Bob Wilson eu fiz uma proposta que ele ensaiou, que ele encenou num espectáculo, o Jungle Book, que continua a viajar no mundo, que ainda não apresentámos em Portugal, mas também com a Isabelle Huppert, Mary Said, que apresentámos no CCB e no Festival de Almada, em Lisboa, e que continua a circular, que está neste momento em Tóquio, onde a Isabelle Huppert está a fazer o espectáculo.
Foi importante escolher este poeta português para essa sensação do mundo, num mundo que vai tão mal; com a eleição de Trump nos Estados Unidos, com a extrema-direita em França que obtem 42%, com Portugal que está também à procura de um caminho. Há um momento em que vamos acabar com os Estados Unidos, que são os Estados Desunidos. Não há nenhuma união nos Estados Unidos, que é tristeza absoluta. Precisamos de poesia, de um olhar sobre o mundo interior e exterior, onde a responsabilidade cultural de fazer conhecer Pessoa. Este espectáculo representa muito tempo de pensamento, de trabalho, de opções que têm que ser decididas para uma sala de 1000 lugares no centro de Paris. Não estamos a falar da pessoa numa sala de 80 lugares, estamos a falar num teatro central, uma das maiores salas parisienses.
Olinda Beja é actualmente o expoente máximo da poesia são-tomense, mas é também uma contadora de histórias e, desde 2022, embaixadora oficial da cultura de São Tomé e Príncipe no Mundo. Um título que mesmo ainda de forma informal já encarnava há muitos anos, desdobrando-se em participações em conferências, idas às escolas em Portugal e noutros locais do globo, leituras públicas, tudo para falar do seu país.
Olinda Beja esteve em Paris para participar no colóquio "São Tomé e Príncipe, as sementes da esperança, entre herança colonial e ecologia viva", organizado pela Sorbonne Nouvelle, e fez viver a todos os presentes um bocadinho de São Tomé e Príncipe.
Em entrevista à RFI explicou como é ser agora oficialmente a embaixadora cultural do seu pais.
"Eu fui descrita muitos anos como embaixadora cultural, porque os nossos jovens em São Tomé e as nossas crianças não tinham muitos livros, sobretudo os mais pequenos. E uma das minhas preocupações foi escrever um livro só para crianças. O primeiro livro que se escreveu em São Tomé para as crianças foi da minha autoria "Um Grão de Café". No entanto, em 2022, o meu país nomeou-me, agora sou a embaixadora nomeada. É realmente uma grande alegria para mim, embora eu o tenha sempre feito desde que eu regressei ao meu país. Há um deslumbramento imenso sobre a paisagem, sobre as pessoas, sobre, sobretudo as crianças, sobretudo os mais velhos, porque dei conta que eles eram um repositório de histórias", confidenciou a poetisa.
No encontro em Paris, Olinda Beja contou histórias, declamou os seus poemas, cantou e tocou um tambor feito pelo seu avó, espalhando pela sala panos típicos de São Tomé e Príncipe. Um ambiente que fez viajar alunos, professores e investigadores que assistiram à sua apresentação.
"Eu gosto de fazer viver São Tomé. Eu posso-lhe dizer que já foi quase uma centena de pessoas a São Tomé por recomendação minha. Depois eu tenho o turismo rural lá e eu levo-os mesmo a São Tomé. Talvez as pessoas saibam do cacau, mas não sabem mais nada, não conhecem e nós temos de dar a conhecer", insistiu.
Com uma grande variedade cultural, diferentes géneros musicais e encenações como o Tchiloli, Olinda Beja lamenta que a cultura de São Tomé e Príncipe não seja mais conhecida e divulgada, com a poetisa a dizer que na comemoração dos 50 anos de independência haverá jovens são-tomenses a dançarem danças tradicionais um pouco por todo o Mundo.
Para os próximos 50 anos, Olinda Beja deseja uma maior aposta na juventude e na qualificação dos quadros do país para levar maior desenvolvimento ao arquipélago.
"Nós não podemos falar em 50 anos de independência, porque é uma gota de água no oceano. Um país que está quase durante 500 anos colonizado, que não tem quadros que quando fazem a proclamado da independência tínhamos meia dúzia de famílias ricas da elite negra santomense que mandaram os seus filhos a Lisboa e ao Porto e a Coimbra estudar mais nada. Os outros 119.000 eram povo anónimo, sem estudos, sem quadros, sabiam alguma coisa de mecânica porque viram, sabiam alguma coisa do cacau, porque viram, mas muito pouco. E isso é que tem sido um problema muito grave, porque logo a seguir à independência, os países de Leste abriram as portas para os jovens são-tomenses que queriam continuar a estudar. Formou-se muita gente, mas ficaram por lá. Já não voltaram ao seu país. Isso também é outro grave problema. As condições que o governo oferece são muito fracas e quem vem à Europa, apesar das dificuldades que há, vê que aqui tem outras condições. Fica. Já não volta, mesmo sabendo que aquilo é um paraíso, mesmo tendo saudades e mesmo chorando para o seu país. Isso faz com que São Tomé esteja à deriva. Eu digo isso num poema. Ainda é uma ilha que está à deriva, sem idade. Vamos ter esperança que haja uma nova geração que veja as coisas de outra maneira", concluiu.
O rapper Masta Tito é uma das figuras de maior relevo da música de intervenção da Guiné-Bissau. Autor de temas que ganharam grande popularidade por criticarem de forma frontal o Governo e os militares guineenses, o "rapper revolucionário", tal como se identifica, está na linha da frente da defesa dos direitos humanos e pela legalidade democrática. Recentemente lançou o disco "N'kala Kala", que em português se pode traduzir por "Não me vou calar", um trabalho onde, de forma contundente, Masta Tito volta a tecer duras críticas a quem detém o poder na Guiné-Bissau.
Se ao longo dos mais de vinte anos de carreira Masta Tito já tinha sido alvo de diferentes episódios em que tinha sido ameaçado, intimidado e mesmo espancado por, precisamente, denunciar os desmandos de governantes e militares, agora, com "Nkala Cala", voltou a colocar a vida a em risco por defender o povo guineense e denunciar o que identifica como a "ditadura do Presidente Umaro Sissoco Embaló".
Temas como Miti Medo, Nkala Kala, Matchu di Matchus ou Kafumbam são como Cavalos de Troia que Masta Tito plantou no seio da sociedade guineense, mas, por sentir que ao continuar na Guiné-Bissau estaria a colocar a própria vida em risco, o seu autor foi obrigado a fugir para Portugal.
A RFI encontrou-se com Masta Tito em Lisboa. O rapper começa por nos apresentar o disco "Nkala Kala" e revela que, mesmo na capital portuguesa, continua a receber ameaças.
Youtube oficial de Masta Tito: https://www.youtube.com/@mastatito/videos
Os eleitores moçambicanos votam, esta quarta-feira, nas eleições gerais. Muitos madrugaram, outros sonharam com o voto, uns votam pela primeira vez e alguns agradecem ainda poderem votar. “Eu não quis perder isto por nada! Faça sol ou faça chuva! Com ou sem bebé às costas”, resumiu uma jovem mamã.
Ainda as mesas de voto não tinham aberto e já se faziam filas na Escola Secundária Josina Machel. Os eleitores fizeram questão de madrugar para ir exercer o seu direito de voto. Foi o caso de Vasco, de 57 anos, o primeiro a chegar às 4h30 da manhã, ainda a escola estava fechada. Duas horas e meia depois, Vasco leu um bom pedaço do livro que tem nas mãos.
Eu fui o primeiro a chegar. Cheguei às quatro e meia, ainda não estava ninguém, estava tudo fechado, depois apareceu a polícia e apareci eu! Estou aqui a ler para ver se o tempo passa rápido. Estas eleições representam uma viragem, estamos a sair de um determinado ciclo de governação para um novo. Teremos um novo Presidente, seja ele qual for, teremos uma assembleia totalmente diferente e nova. É uma viragem completamente grande.
Na linha da frente de uma das filas, está Jean Claude, de 22 anos, que vai votar pela primeira vez em eleições gerais, num país onde cerca de 80% da população tem menos de 35 anos.
Esta é a primeira vez que voto em eleições gerais. O voto é importante porque ajudará na definição dos próximos cinco anos de governação do nosso país. Espero que o candidato que for eleito seja um candidato que apoie os jovens, dê mais oportunidades e que os próximos cinco anos sejam anos que possam ajudar a defender uma geração inteira para que possamos desenvolver Moçambique.
A afluência à Escola Secundária Josina Machel foi-se acentuando durante a manhã, mas mais vale esperar sentada e foi o que fez Josina Nachaqui, 60 anos. Chegou às cinco da manhã e não pregou olho durante a noite porque só pensava em ir votar.
Quando dormia só sonhava em vir aqui votar ! Eu estou feliz hoje! Estou feliz por votar!
Com tantos eleitores, havia alguma descoordenação para se saber onde votar. De bebé de nove meses nas costas e uma menina de dois anos a passear por entre as dezenas de pessoas, Andreia Cossa, 34 anos, procurava a sua mesa de voto com um ar meio perdido, mas estava mais motivada que nunca. Nem a chuva, que acompanhou a abertura das urnas, fez Andreia esperar para ir votar.
Não quis perder esta oportunidade. Acho que é importante também para mostrar à nossa geração que a decisão do nosso país está nas nossas mãos. Então não quis perder isto por nada! Faça sol, faça chuva, com bebé nas costas ou não, estou aqui!
Também feliz estava a antiga primeira-dama, Graça Machel, que foi esposa do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, e que votou na Escola Secundária da Polana.
É um sentimento de dever cumprido. Faz parte da nossa escolha. Daquilo que nós queremos que seja o futuro, em particular dos nossos filhos, dos nossos netos e bisnetos. Por isso, eu estou feliz de ter vivido o suficiente para, mais uma vez, exercer este direito.
Para acompanhar estas eleições há 11.516 observadores nacionais e 412 observadores internacionais, incluindo Missões de Observação Eleitoral da União Europeia, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, da União Africana e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, entre outras organizações.
Há, também organizações da sociedade civil, como o Conselho Nacional da Juventude que tem 500 observadores mobilizados em todo o país neste dia eleitoral. Um deles é Alexandre Mano, que encontrámos na Escola Secundária da Polana e falou em “afluência massiva às urnas”, maior do que nas eleições precedentes.
Também a observar na Escola Secundária da Polana está Sheila Massuque, da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, que nos descreveu uma abertura das urnas "ordeira" .
Há mais de 184.500 membros de mesas de voto, distribuídos pelos 154 distritos do país e fora do país. Em Moçambique, no dia da votação, vão funcionar 8.737 locais de voto e no estrangeiro 334, correspondendo a 25.725 mesas de assembleia de voto em território nacional e 602 assembleias no exterior, cada uma com sete elementos.
Mais de 17 milhões de eleitores são chamados às urnas, incluindo acima de 300 mil recenseados no estrangeiro para escolher o Presidente da República, as assembleias provinciais e respectivos governadores, bem como 250 deputados da Assembleia da República. Na corrida à presidência, estão quatro candidatos: Daniel Chapo, apoiado pela Frelimo, no poder; Ossufo Momade, apoiado pela Renamo, principal partido de oposição; Lutero Simango, apoiado pelo MDM, terceira força parlamentar; e Venâncio Mondlane, apoiado pelo Podemos, sem representação parlamentar.
Em Mocambique, o governo e os seus parceiros de cooperação procuram restaurar o mangal que tem sido destruído e bastante explorado ilegalmente para a construção de habitação entre outras infraestruturas bem como para fabrico do carvão.
É a luta pela sobrevivência de muitas famílias que se socorrem do mangal para vários fins.
Testemunha uma destas situações o ambientalista Carlos Serra.
Encontro -me no mangal da Costa do sol , mangal este que ao longo dos anos tem sofrido as mais diversas ameaças , infelizmente desde a poluição passando pelos aterros e construções ilegais.
Um de muitos exemplos no bairro da Costa do sol, na cidade de Maputo. Tem sido assim também em vários pontos deste vasto Mocambique onde o abate do mangal ocorre sob sob o olhar impávido e sereno de quem devia travar estas práticas.
Esta ilha não estava assim... totalmente estava ela cheia de salgal então quando acabaram de estar a cortar o salgal totalmente ficou tudo assim como ilha. E, então esta erosão está a tornar , a ir mais fora , a destruir todas as nossas casas. Aqui no meu bairro , caíram muitas casas e até o próprios cemitérios já estão danificados através da erosão.
A floresta de mangal é abatida para dar lugar a construção de residências e de infraestruturas diversas.
E há aqui várias situações de venda de terra. Também infelizmente são negócios imobiliários ilícitos que ocorrem nas nossas barbas, negócios estes que são contra a lei no sentido de que a legislação proíbe este tipo de acção em ambiente marinho e costeiro.
Nós temos um regulamento que é bastante claro sobre esta temática , portanto, não pode haver de modo algum, atribuição de um direito de uso e aproveitamento da terra quando nós estamos numa situação de uma terra com estatuto especial de protecção e o mangal está hoje protegido à luz da lei . Aliás é crime de acordo com o código penal e da lei do mar fazer este tipo de acção. É crime , portanto, crime punido com pena de prisão.
Umas por ocupação ilegal, outras sob licença e autorização das autoridades municipais o que tem estado a levantar questionamentos entre os cidadãos devido aos impactos resultantes desta acção humana .
É crime porque mesmo a erosão já nos está a invadir, estamos em perigo mas tudo isso podemos ver que não é por acaso, porque quando queremos ver , estas casas estão construídas nos mangais e as vezes estão parceladas mas não sabemos quem parcelou.
E dos ambientalistas como Regina Charumar também se levantam discussões e questionamentos.
Retira-se quantidade imensa de mangal sem conhecimento nenhum. Porque acredita-se que é uma árvore , que é qualquer especie que não seja tão importante e não se faz a relação da perda do mangal e perda de espécies. Então, quando nós chegarmos ao ponto de que o próprio cidadão ja tenha conhecimento suficiente sobre isso, nós teremos consideravelmente a redução da perda do mangal.
Apesar de existir uma legislação que penaliza a destruição do mangal , este recurso tem sido alvo de exploração elevada devido à pobreza avança o Fundo mundial para a natureza o que leva à sua degradação em alguns locais.
As maiores taxas de degradação do mangal estão localizadas ao redor das principais cidades como Maputo, Beira, Quelimane e Pemba , uma situação que é preciso reverter, é preciso fazer cumprir a lei diz Regina Charumar.
Esta lei é para ser usada e é para justamente dar esse suporte legal para a questão ambiental, para a questão dos mangais na essência . Então, não podemos olhar só para a lei de forma teórica . As leis só são exequíveis, são eficientes se tiverem o suporte no sentido de ter alguém que vá fiscalizar.
Nos últimos tempos, a população tem estado a ganhar consciência do mal que se causa as especies marinhas e ao ambiente neste país que é Moçambique cada vez mais vulnerável aos desastres naturais.
Testemunhos de populares: “Não sabíamos que protegia-nos nem . Cortávamos para usar para casa.”
“Cortava o mangal, também não sabia que o mangal protege muita coisa”
“Até que muito mais é para o caranguejo. O que eu sei dizer , ja ouvi que caranguejo produz mais nos mangais , no matope , ( lama) , agora quando já há construção de casa eles também ficam sem como sobreviver no mar.”
As autoridades ligadas ao sector do mar pescas e águas interiores de Mocambique consideram que a comunidade deve continuar a ser sensibilizada a proteger o mangal.
É preciso dizer as populações que este mangal é importante para a vida delas para a vida de pessoas e a vida dos animais, em particular, aqueles aquáticos , portanto, temos que sensibilizar e também fazer com que eles participem e eles assumam, apropriem-se desta actividade.
O governo moçambicano corre contra o relógio para a reposição do mangal .
São já milhares de hectares perdidos mas também recuperados nos últimos três anos, através do replantio com base na estratégia de gestão do mangal aprovada em 2020.
Espaço também essencial para a qualidade do ar que nós respiramos , portanto libertando oxigénio e absorvendo dióxido de carbono e outros gases poluentes . Espaço também essencial por causa de ser berço da biodiversidade. Sem mangal não há peixe junto a costa , espaço também essencial em termos de cartão de visita da cidade, é um lugar verde, mas aqui está mais uma situação de agressão e de violação da lei.
Moçambique ganha entretanto um novo aliado na restauração do mangal. A empresa Blue Forest, especializada em projectos de carbono azul que detém um dos maiores projectos de restauração de mangais no mundo e vai abranger as províncias de Sofala e Zambézia, em Moçambique.
Este projecto considerado demasiado ambicioso e denominado MozBlue, propõe se a plantar cerca de 200 milhões de árvores de mangal numa área total de 155 mil hectares, com vista à recuperação dos ecossistemas costeiros da região.
E sabe-se já que num primeira fase, o projecto MozBlue irá restaurar 5 116 hectares de costa degradada na província da Zambézia.
Este projecto, de acordo com a empresa implementadora, não se limita à recuperação ambiental, mas também traz benefícios para as comunidades locais.
O MozBlue será o primeiro projecto de remoção de carbono que vai ajudar as comunidades envolvidas a obter certificados de terras, promovendo a segurança fundiária nas zonas abrangidas.
Até 2030, espera-se a criação de cerca de 5 mil empregos sazonais e permanentes em 300 comunidades nas províncias da Zambézia e Sofala, oferecendo novas oportunidades económicas para a população local.
Pio Matos governador da província da Zambézia, não tem duvidas da mais valia deste projecto de restauração do vasto ecossistema de mangais de Moçambique, o segundo maior de África.
O mangal é preservar todo o ecossistema que está a sua volta. Estamos a falar dos peixes, dos caranguejos, de tudo, estamos a nós auto-preservar. É preservar a espécie humana porque Deus criou a natureza e depois disse ao homem: Gere, usa mas usa não para destruí-la mas sim para aproveitar dela para o seu melhor sustento, para a sua melhor utilidade . Então, é isto que nós viemos dar o alerta porque este deserto que nós encontramos aqui é também resultado da mão humana. É verdade, não por mal mas porque precisávamos da estaca do mangal para construirmos a nossa casa , precisávamos da estaca, do tronco do mangal para fazermos a nossa lenha e assim fomos avançando. Mas hoje precisamos de ver que ficamos sem a lenha, ficamos sem a estaca mas continuamos a precisar e aí, ficamos até sem o peixe , ficamos sem o caranguejo então é muita coisa e depois ficamos com esse clima todo completamente adverso aquilo que era ontem. Precisamos também para além de fazer esta actividade de criar meios alternativos para que a comunidade possa ter , continuar a construir as suas casas sem usar as estacas.
O coordenador provincial do Instituto oceanográfico de Mocambique na Zambézia revela que só nesta província serão restaurados mais de 18 mil hectares de mangal à luz do projecto Moz Blue.
A primeira fase começa em Novembro e vai terminar em Janeiro do próximo ano. Portanto, está estimado a restauração de cerca de 1200 hectares nessa fase e depois noutra fase , de fevereiro até Setembro do próximo ano , está previsto restaurar perto de 2 216 hectares. E a outra fase, e a última, para o primeiro projecto e o restante tempo do próximo ano está previsto para restaurar 1700 hectares. Então, como é um projecto grande, na estratégia deles de implementação , eles vão ter parceiros com que vão trabalhar.
Daniel Maualeque acredita no sucesso da restauração tendo em conta que a província da Zambézia detêm mais de 150 mil hectares de floresta de mangal e, pouco abaixo da metade está em risco de desaparecer por fatores combinados ação humana e a erosão.
A Blue Forest: eles vão vender o carbono sequestrado nestas áreas e, desta venda 30 a 35% será revertido a favor das comunidades, em projetos sustentáveis lá nas comunidades porque esta questão do corte de mangal aparece como alternativa de subsistência.
Ao longo dos 60 anos de duração do projecto MOZ BLUE, perspectiva-se que a plantação de mangais remova aproximadamente 20,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera, contribuindo deste modo para a mitigação das alterações climáticas a nível global, segundo explicação dada em comunicado pela Blue Forest, empresa com sede nos Emirados Árabes Unidos.
Segundo os ambientalistas, os mangais são conhecidos pela sua capacidade de absorver mais dióxido de carbono do que outras espécies de árvores, além de protegerem as zonas costeiras contra fenómenos climáticos extremos e de sustentarem os recursos pesqueiros.
Este projecto faz parte de um portfólio mais amplo da Blue Forest, que inclui iniciativas de remoção e prevenção de carbono em África e na Ásia, cobrindo mais de 215.000 hectares em países como Tanzânia, Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Vietname e Indonésia.
E é pela sua importância que se comemora a 26 de Julho de cada ano, o Dia Mundial para a Conservação do Ecossistema de Mangal.
A Casa da Cultura da Guiné Bissau tem apenas alguns meses de existência e ainda não tem espaço próprio, mas a energia das pessoas que congrega é intensa e está na origem de uma agenda rica de eventos que têm agitado diferentes espaços da capital portuguesa. Imbuída pelos ideais de Amílcar Cabral, e tento como grande foco a celebração do centenário do "pai da independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde, a Casa da Cultura Guiné-Bissau organizou, este mês, dois eventos de particular interesse.
Esta sexta-feira realizou o Colóquio sobre o Legado Cultural de Amílcar Cabral, sob o lema: "Cultura - um factor de libertação e de construção do progresso".O evento teve lugar na Torre do Tombo, em Lisboa, e criou um espaço de debate sobre o papel da cultura como motor de transformação social, inspirado pelo pensamento revolucionário de Cabral, para quem "a luta de libertação é, antes de mais, um acto de cultura".
A outra iniciativa é oCiclo de Cinema Caminho de N'Tchanha, que acontece até domingo no espaço Casa do Comum, na capital portuguesa. Os filmes seleccionados permitem um olhar sobre a rica produção cinematográfica guineense e africana, abordando temas como memória, identidade e as lutas de libertação, criando-se, assim, um momento ímpar para debater o legado cultural e político de Amílcar Cabral e reflectir sobre as suas contribuições para a libertação dos povos directora da Casa da Cultura da Guiné Bissau, Rita Ié, falou com a RFI, e começa por nos explicar o conjunto de actividades que tinham programado para realizar este ano no quadro das celebrações do centenário de Amílcar Cabral.
O artista plástico guineense, Nú Barreto, radicado em França, realiza pela primeira vez uma exposição individual em Cabo Verde. Intitulada “Des-Obra” a exposição, que se encontra patente na Galeria Bela Duarte, no Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design (CNAD), na ilha de São Vicente celebra o legado de Amílcar Cabral, reflecte sobre o seu pensamento e acção revolucionária disse à RFI, na cidade do Mindelo, Nú Barreto.
“É uma exposição que é virada para questionar o que nós fizemos com o legado de Cabral. É como se fosse Cabral a interrogar-nos sobre o legado que ele deixou. Talvez Cabral tivesse muita dificuldade, pela sua humildade, em questionar as pessoas sobre o seu legado. Eu achei que deveria pegar no legado de Cabral e questionar a sociedade, o que nós fizemos com o legado de Cabral. Há partes da obra de Amílcar Cabral, ou por boa vontade ou má vontade, em que houve más explicações. E achei que há uma desconstrução da obra de Cabral. Daí é que eu fui, pura e simplesmente, em vez da obra, pela ‘Des-Obra’ de desconstrução. De algo que teremos que lutar para lá chegar, para já temos que perceber quem é Cabral, o que é Cabral em si, para lá chegar. Então, foi por causa desta corrida atrás de desconstrução da obra de Cabral que eu dei o título da minha exposição, "Des-Obra". É verdade que no meu percurso nunca tinha abordado nada sobre o Cabral. Não porque não houve convites, houve convites. Nunca quis relatar Cabral só por um simples desenho, uma simples pintura de retrato de Cabral, porque achei que já são coisas que foram feitas. E desta feita eu acho que não tinha nada a acrescentar nesse sentido. E eu teria que abordar Cabral num outro sentido, numa outra forma. Forma que é muito mais especial, muito mais virada à minha própria linha. Que eu achava que talvez assim, interrogável, seria muito mais interessante. Pelo menos na minha parte”, disse Nú Barreto.
O artista guineense afirmou que as suas exposições não precisam de códigos, “entrar nessa exposição ‘Des-Obra’ não exige nenhuma preparação, foi trabalhada para facilitar muito a compreensão. E é muito fácil de perceber. A as pessoas vão compreender dando volta à exposição. E é muitíssimo fácil porque abordei questões que são conhecidas. Questão que o próprio povo, é comum entre os dois povos. Por exemplo quando se diz aqui em Cabo Verde, Cabral Ka Morri (Cabral não Morreu), sabemos do que se trata. Na Guiné, quando dizemos também Cabral Ka Morra, sabemos do que é que falamos. Então, eu fui buscar temáticas. São assim, à volta da sociedade, aquilo que é conhecido. Mas também fui além disso, jogando com esse aspecto que o Cabral defendeu da cor preta e branca. Vê-se ao longo da exposição. Porque trabalhei à volta de duas fotografias só, essa exposição toda. Então, é muito fácil as pessoas encontrarem algo para discutirem. E encontrarem facilmente um instante de repouso, um instante de questionamento. Que eu acho que é muito mais importante, a meu ver, dentro dessa exposição”.
Nú Barreto disse que Amílcar Cabral nunca extraiu a cultura na sua própria ideologia. “A cultura sempre teve um lugar bastante importante. E que é mesmo de destaque que ele fez questão. Porque soube perfeitamente que era este o caminho para começar a construir uma nova sociedade com uma outra mentalidade. E aquilo partia-se de cedo, muito cedo. E pronto. Então, sendo assim, Cabral é uma pessoa que navegou com o poético. Dentro desse percurso da minha exposição, há pontos que criam essa lembrança. Só o facto de pegar nesta ideia de Cabral de que a luta é um acto cultural. Entrar dentro de uma exposição no qual abordamos o legado. Eu acho que, de uma ponta à outra, o percurso poético encontra-se também dentro desta leitura. Ou, pelo menos, desta escrita”.
De acordo com Nú Barreto, a exposição “Des-Obra” que decorre no âmbito do primeiro centenário de Amílcar Cabral seria também para acontecer na Guiné-Bissau, mas devido a situação política vivida naquele país optou-se somente por Cabo Verde.
“Lamento imenso, o nosso percurso não permitiu que esse sonho fosse possível. Fiz tudo o que foi possível para mim.Mas as condições actuais não me permitem apresentar esse trabalho na Guiné. Só sabe o destino, como é que aquele país precisa de voltar a questionar o legado de Cabral para se integrar dentro daquilo. Não havendo capacidades, não há condições para acolher esse projecto na Guiné. Por isso, simplesmente, acabei por decidir que a exposição ficasse aqui em São Vicente. Realmente, estamos numa situação bastante complicada a nível político. E isso, efectivamente, não permitiu que eu me arriscasse a apresentar essa exposição na minha terra. Lamento bastante, mas pronto, vou fazer com as pessoas que estão à altura de perceber. Ou, pelo menos, faço a proposta para que as pessoas que estão interessadas em perceber aquilo que o Cabral ofereceu à sua vida, porque ele ofereceu à sua vida. Foi o sonho dele, conseguiu. E pronto, porque não, também nós tentamos lutar para conseguir os nossos sonhos através de uma ideologia, de uma coisa que já foi feita. O homem fez, agora era só nós seguirmos aquilo”, afirmou o artista plástico guineense.
Nú Barreto, que regressa agora a São Vicente, 26 anos depois de ter participado de uma bienal de jovens artistas disse que a “Des-Obra” está ligada a uma segunda exposição colectiva sobre a ideologia de Amílcar Cabral a ser organizada pela arquitecta Paula Nascimento e da historiadora Ângela Coutinho, que é a curadora científica da exposição “Des-Obra”.
“O projecto tem duas partes, no qual, quando o Artur Marçal, que é o diretor do CNAD, falou-me sobre a ideia de conciliação desses dois projectos que faziam inteiramente sentido juntarmos para podermos fazer um trabalho sobre o Cabral, porque os dois projectos falam sobre o Cabral. Aceitei logo porque, pronto, fazia sentido integrar o meu projecto no projecto da Ángela Coutinho e da Paula Nascimento. Como dizia também que elas já tinham começado esse projecto há muitos anos. Pronto, assim é que nasceu essa ideia de exposição que começava no dia 12 de setembro, que era a data de aniversário do Cabral, com uma exposição individual minha e depois seguia uma outra exposição colectiva com artistas convidados de Angola, de Cabo Verde, de Guiné, de Moçambique, e que esse projecto teria uma itinerância que nós estamos a trabalhar actualmente, arduamente, que é para ver se alargamos mais a itinerância desse projecto a palcos que merecem ver realmente as abordagens dos artistas sobre a ideologia de Cabral, sobre o pensamento do homem”, disse Nú Barreto.
Em entrevista à RFI, a historiadora Ângela Coutinho falou sobre a exposição colectiva sobre a ideologia de Amílcar Cabral que vai acontecer numa das galerias do CNAD e segue depois outros espaços a nível mundial, dizendo que esta junção nasceu de um encontro feliz com o Nú Barreto.
“Houve um encontro feliz entre todas as nossas ideias e projectos. Claramente no Barreto, penso que da nossa região aqui da África Ocidental, talvez entre os lusófonos africanos, é o artista plástico mais reconhecido internacionalmente, daí o facto de ele ter-se dedicado a um projeto de exposição individual para assinalar, comemorar o centenário de Amílcar Cabral, foi para nós uma grande alegria e mais valia saber que ele tinha feito esse investimento, e desde logo, como ele explicou, conversámos, acertámos, houve um grande entendimento com as direções do CNAD, anterior e esta, relativamente à filosofia da nossa abordagem, a nossa preocupação, como diz o Nú, é interpelar a sociedade. A interrogação que eu e a Paula Nascimento nós fizemos foi, porque é que ele importa? Para que é que interessa, afinal, Cabral? Hoje, se pensarmos nos jovens cabo-verdianos, por exemplo, eu assumo-me como cabo-verdiana, pedi a nacionalidade, o meu pai é de São Vicente. Vim para cá há 20 anos, estive a trabalhar no ensino superior, na área de História, e pude observar que, de facto, o Estado de Cabo Verde não tem agarrado com todas as mãos a História de Cabo Verde, não é só a de Cabral, ou da luta de libertação, a História. E, por outro lado, há uma grande procura, uma grande reivindicação, por parte dos jovens, em relação a Cabral, porque fala-se de Cabral todos os anos a 20 de Janeiro, e se virmos a televisão, as pessoas dizem sempre o mesmo. Mas, afinal, o que é que ele fez? Falta enquadrar, contextualizar. E, então, este projeto com a Paula Nascimento, que é, neste momento, a curadora de Arte, eu acho, também da África Lusófona, ela é angolana, com a maior projeção.Está encarregue de Bienais de Arte pelo mundo fora, tem prémios nos Estados Unidos, organiza exposições na África do Sul, em França, é responsável pela parte africana da Feira Internacional de Arte Contemporânea ARCOlisboa. É conselheira da Fundação Gulbenkian, quer dizer. Então, eu fui ter com esta pessoa e fui pedir que fizéssemos um projecto ambicioso, que estivesse à altura de Cabral, do prestígio de Cabral, e que pudesse, de facto, sair de Cabo Verde, e com essa ajuda dela, dos contactos que ela tem e do nível de conhecimentos, que pudesse sair daqui, produzindo aqui, para os melhores museus do mundo. Este é o nosso desafio. O facto de termos conseguido, digamos assim, cruzar, combinar o nosso trabalho com o do Nú Barreto, só veio a engrandecer este trabalho. Então, temos uma segunda fase, que será uma exposição colectiva, com artistas convidados, que reflectem estes temas. Em Cabo Verde será César Schofield, Ângelo Lopes, Sónia Vaz Borges, que é da diáspora, temos também artistas de Portugal, Filipa César, Diogo Bento, temos de Angola, Mónica de Miranda, e mais outros artistas da Guiné. Esta será a segunda fase", disse a curadora científica e historiadora, Ângela Coutinho que avançou que a equipa que inclui o artista, Nú Barreto, está a negociar com galerias de vários países que podem receber a exposição colectiva sobre Amílcar Cabral de artistas de alguns países da CPLP.
Por ora encontra-se patente ao público na Galeria Bela Duarte, no Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design, no Mindelo, na ilha de São Vicente a exposição “Des-Obra” de Nú Barreto, uma atividade que marca também as comemorações do primeiro centenário de Amílcar Cabral.
Macau participou nos Jogos Paralímpicos com uma atleta no salto em comprimento, Hao Lei Chio. Para esta jovem tem sido uma alegria misturada com nervosismo estar em Paris, com o Comité Paralímpico de Macau a
Na sexta-feira à noite, Hao Lei Chio, uma macaense de 17 anos, abrilhantou a final feminina do salto em comprimento nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, conseguindo a sua melhor marca da temporada saltando 4,17 metros. Hao Lei compete na categotia T20 para ateltas com dificuldades intelectuais.
A participação desta jovem, a única atleta que Macau trouxe a estes Jogos Olímpicos é um feito, já que devido à pandemia de covid-19, os treinos pararam e esta região não pode participar de todo nos Jogos de Tóquio.
Hao Lei começou a dar nas vistas em termos desportivos desde a escola primária, tendo passado por vários desportos até se dedicar plenamente ao salta em comprimento. A RFI esteve com esta atleta e a sua intérprete ajudou-nos a perceber qual o seu sentimento ao pisar no Stade de France e competir pela primeira vez numa final olímpica.
"Ela está muito contente de estar aqui, ainda por cima é a primeira participação dela nos Jogos Paralímpicos. Foi muito impactante ver milhares de pessoas no estádio para a ver competir. Claro que ficou um pouco nervosa, mas mais contente do que nervosa. A partir do segundo salto ela já estava muito mais à vontade", explicou-nos a sua intérprete.
Para Hao Lei tem sido uma experiência única participar nestes Jogos, tendo já feito amigos de outras nacionalidades e pensa já na sua participação em Los Angeles 2028.
"Ela tenta ajudar os outros atletas sempre que pode, ajuda-los a resolver problemas. E esta experiência faz com que ela esteja ainda mais motivada para continuar a dar o seu melhor e participar nos próximos Jogos", descreveu.
Outra das motivações de Hao Lei é saber que a sua participação pode inspirar outras pessoas com deficiencia a praticarem desporto.
Macau, que é internacionalmente denominada como uma Região Administrativa Especial, não participa nos Jogos Olímpicos, mas tem um Comité Paralímpico Internacional e participa há várias décadas nos Jogos Paralímpicos. Por isso, esta região que actualmente é administrada pela China após vários anos de pertença a Portugal, está muito empenhada nesta participação nos Jogos de Paris 2024 como nos explicou o Secretário-Geral do Comité Paralímpico de Macau, Kuai Hong Cheong, em declarações à RFI.
"Temos muito empenho em participar neste jogos. Por sermos uma região pequena, não temos muitas pessoas com deficiencia, mas trabalhamos em conjunto com o Governo, as escolas e outras entidades para identificarmos potenciais atletas e motiva-los a praticarem desporto. E, assim, ajuda-los a alcançar o sonho paralímpico", disse o responsável pela equipa de Macau.
Os anos da pandemia não ajudaram os atletas macaenses já que muitos não poderam participar em competições internacionais durante um longo período, o que os impediu de acumularem pontos e de classificarem para vir até Paris como Hao Lei.
Quanto a esta participação em Paris, a equipa macaense diz estar agradavemente surpreendida pelas condições e acolhimento da França.
"Desde logo Paris é uma cidade muito bonita e muito romântica, portanto estamos muito impressionados por estar aqui. Há algumas diferenças em relação a outros Jogos no passado, como o transporte ou a Aldeia Olímpica. Sabemos que antes de aqui chegarmos houve algumas polémicas com o facto de não haver ar condicionado por ser mais ecológico, mas sinceramente, acho que nem precisamos de ar condicionado aqui em Paris. Quanto à competição em si, tudo tem corrido bem e é similar a outros Jogos", explicou
O Comité espera agora poder levar mais atletas até Los Angeles, em 2028, e que os Jogos Paralímpicos sejam cada vez mais reconhecidos em pé de igualdades noutros países, como já acontece em Macau.
"Não deve haver qualquer distinção entre Jogos Olímpicos e Jogos Paralímpicos. Esperamos que o grande foco seja sempre ter a melhor organização possível, ter a maior igualdade possível entre atletas e, claro, encorajar cada vez mais pessoas com deficiencia a praticarem desporto e a chegarem aos Jogos Paralímpicos", concluiu o secretário-geral.
Macau tem agora encontro marcado com os Jogos Paralímpicos em 2028!
The podcast currently has 176 episodes available.
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners
0 Listeners