No Brasil, o fim do ano de 2024 trouxe uma notícia encorajadora: o número de partos na adolescência caiu para menos de metade em dez anos. Por detrás deste fenómeno está o melhor acesso a contraceptivos, à educação, e uma maior presença na internet.
Há dez anos, Maiara Aparecida dava à luz o seu primeiro filho, o Davi.
Eu fui mãe com 16 anos, engravidei com 15, tive com 16 na época pra mim foi assustador, porque tava aquilo "Eu tenho que estudar, eu tenho que fazer curso eu tenho que ser a filha perfeita". E do nada vem uma criança. Aí eu continuei estudando durante a gravidez do Davi mas depois eu parei. Porque você pára, pára sonhos para tudo, porque uma criança no mundo é uma responsabilidade danada e eu falo, "cara", Engravidar na adolescência pra mim foi uma das maiores loucuras que eu fiz na minha vida que eu fico, meu Deus do céu, eu parei tudo. (…) Eu me considerava, cara, gente, é uma criança com criança no colo.
Tal como esta moradora de um conjunto de favelas na cidade de São Gonçalo, nos subúrbios do Rio de Janeiro, 286 mil mães com menos de 19 anos deram à luz no primeiro semestre de 2014.
Uma década depois, esse número caiu para 141 mil no primeiro semestre de 2024. Pela primeira vez na sua história, a média de mães adolescentes no Brasil está a aproximar-se da média mundial – ou seja, 41,9 crianças por cada 1.000 adolescentes.
Um dos avanços mais significativos é a redução dos partos entre raparigas de 10 a 14 anos, que também quase caiu para metade. "Uma redução que nunca tinha sido registada no Brasil antes", explica Denise Leite Maia Monteiro, directora da Associação Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência.
A mãe dessa adolescente, que hoje em dia, ela leva no médico. Com 10, 12 anos, elas levam na consulta com medo de que aconteça isso com a filha.
Outro factor é o aumento constante do nível médio de educação no país. Em 2022, o Brasil ultrapassou, pela primeira vez na sua história, a marca dos 50% da população com diploma do ensino secundário. Em 2024, essa taxa atingiu os 54,5%.
Se elas estudam, elas começam a ter outro horizonte que não é ser dona de casa. Então, elas podem pensar em ter uma profissão, elas estão mudando. Então, isso faz com que elas já se tem uma maior escolaridade, há uma redução. Isso está acontecendo até na África mesmo. À medida que elas estudam mais, estão reduzindo a gravidez na adolescência.
No entanto, o principal factor por detrás desta queda histórica é, provavelmente, a maior facilidade de acesso a métodos contraceptivos.
Destacam-se os Dispositivos Intrauterinos (DIUs), que permitem relações sexuais desprotegidas sem risco de gravidez. Os DIUs clássicos, feitos de cobre, já estão disponíveis em várias regiões do país. Já os DIUs hormonais, que ajudam a aliviar as dores menstruais, começam a chegar a algumas cidades, graças a iniciativas locais.
Em vários municípios, a gente já conseguiu colocar DIU, agora já está conseguindo colocar o DIU hormonal, e aqui no Rio, a gente já está com um implante subdérmico, aquele Implanon, que evita a gravidez por três anos, que é o ideal para a adolescente. Três anos, não engravida, troca por um outro, acabou a adolescência. (…) Então, acho que com a entrada do implante, do DIU e do DIU hormonal, a gente vai conseguir.
Em 2023, a cidade do Rio de Janeiro começou a oferecer acesso ao DIU hormonal na sua rede municipal de saúde. A taxa de mães adolescentes já é ligeiramente inferior à média nacional, com a expectativa de que continue a diminuir.
No entanto, num dos países mais desiguais do mundo, a qualidade e o acesso aos serviços de saúde podem variar significativamente de uma localidade para outra.
No Complexo do Salgueiro, a apenas uma dezena de quilómetros do Rio, a realidade de Maiara Aparecida e dos seus vizinhos continua a ser muito diferente. Para mitigar estas desigualdades e enfrentar as violências médicas, Maiara criou o Espaço Gaia, um local onde as mulheres podem reunir-se, trocar experiências e obter informações.
Laura Torres, co-fundadora do Espaço Gaia, recorda alguns episódios marcantes.
Uma coisa que a gente percebe, tanto dentro da roda de gestantes quanto dentro do observatório, é que a galera [as pessoas] tem muitos filhos aqui, de facto, mas às vezes não necessariamente por falta...
Porque é muito fácil colocar a responsabilidade na pessoa que acabou engravidando, não é ? Tipo, "Ah, ela não se cuidou" e tal. Sendo que aí nessa pesquisa que a gente fez, a gente viu que tinha gente que estava usando camisinha [preservativo], tinha gente que quis colocar Dio, mas não conseguiu, porque colocar Dio aqui dentro da cidade é super complicado. A laqueadura parece ainda que não é direito aqui dentro de São Gonçalo, porque eles olham para a sua cara e falam assim, "Ah, você merece laqueadura, então vamos. Ah, você não merece laqueadura, pode ter mais de 10 filhos.
A gente viu um caso que foi assim, "Gente, não é possível, a mulher teve 6 filhos, não foi?!" (…) Ela falou que ela foi no médico e o médico falou não, "Você tem, é parideira, você tem corpo forte pra ter filho, você". E recusou esse acesso mesmo.(…) E aí ela teve seis filhos, sem ter condições, morando numa favela.
Uma dificuldade que se soma aos desafios do dia a dia dos moradores do Complexo do Salgueiro.
O posto de saúde mais próximo daqui é o do Campo de De 30 minutos andando. Andando. Para você ter acesso a um posto de saúde. E aí, esse posto de saúde mais próximo não tem tudo. Então a galera [as pessoas] precisa ir para o Portão do Rosa. Salgueiro, mas é um bairro bem próximo.(…) 20 minutos de carro. Tem outro ponto importante é que não tem transporte público e quando tem transporte, não tem o dia de passagem só tem dois ônibus [autocarros]).
Para Denise Leite Maia Monteiro, as redes sociais também desempenham um papel significativo neste fenómeno.
Eu nunca atendi tanto adolescente virgem, como depois da pandemia, elas começaram a retardar o início da actividade sexual, porque a vida se tornou online, com a pandemia, elas passaram a viver felizes, trancados em casa.
A afirmação é relativizada pelas intervenientes no terreno em São Gonçalo, como Lívia Santos.
Se você vai no TikTok, é muita informação, tipo, sobre qualquer coisa, e elas estão ali, fissuradas naquilo ali, aprendendo, e às vezes, claro, pode não ser aprendendo coisas boas, mas está aprendendo alguma coisa. (…) Mas essa questão da rede também influencia para outras coisas. Por exemplo, se uma coleguinha tira uma foto sensual, a outra coleguinha também vai achar normal.
No Brasil, 11,9% dos partos são realizados por mães adolescentes. Para alcançar um nível comparável ao da França, que regista 3%, o Brasil precisa de priorizar a redução do número de adolescentes a dar à luz várias vezes durante a adolescência, explica Denise Leite Maia Monteiro.
A gente viu que acontece porque tem vários motivos. Um dos motivos principais é o casamento. Então se essa adolescente que engravida se casa, ela cria uma estrutura familiar, ela relaxa na contracepção e engravida de novo. (…) O abandono escolar é outra causa Ela engravida, para de estudar Aí já engravida.
Em Março de 2019 que publicou essa lei, que alterou o Código Civil, proibindo o casamento de menores de 16 anos em qualquer hipótese, mesmo que elas estivessem grávidas. Porque antes a garota de 14 anos engravidou, ela se casava com o cara, o cara não ia preso porque ele resolveu o problema se casando com ela.(…) Então isso foi um grande passo.
Numa sociedade onde as relações amorosas entre menores e adultos ainda são normalizadas em muitas partes do país, todas concordam que a chave para qualquer melhoria passa por uma maior educação.
É muito difícil a gente culpabilizar a mãe por ela não ter conversado com essa criança quando ela ainda era uma criança... Sobre o que é usar uma camisinha [preservativo].
Porque às vezes as coisas estão passando por ali e ela não vai dar conta de ter essas conversas mesmo.
(…)
Ela precisa dar conta que a comida chegue no prato dessas crianças. Ela precisa dar conta que essas crianças tenham o que beber, sabe? Tenha onde dormir Então também é muito problemático
(…. Então assim, como que a gente faz com que elas não engravidem tão cedo? Dando elas para a gente, dando informações, elas não têm.
(…) E a gente tem uma roda que as crianças participam. Muito importante. Porque a gente não quer que essas crianças engravidem aqui dentro, sabe?
Neste contexto, a facilitação do acesso ao aborto legal é um dos maiores desafios. A interrupção da gravidez é autorizada apenas em casos de violação, se a vida da mãe estiver em risco ou se o bebé for diagnosticado com anencefalia. No entanto, num país onde 60% dos estupros envolvem menores de até 13 anos, são apenas algumas centenas de adolescentes por ano que recorrem ao aborto.