Reportagem

“A música tem o poder de podermos partilhar humanidade”, Gisela Mabel


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A compositora e pianista luso-angolana, é a primeira artista portuguesa a integrar a colectânea oficial do “Piano Day”, para onde compôs o tema “Translucente”. “Albúm de Retratos” é o nome do EP de apresentação de Gisela Mabel e foi distinguido como “Jazz Album Of The Year”, pelo SoloPiano.

O piano como elemento que nos leva a viajar por paisagens, memórias, emoções, esperanças, vitórias e desilusões. Podem ser múltiplas as marcas que nos ficam na pele quando nos permitimos usufruir da indescritível beleza do piano de Gisela Mabel.

A compositora e pianista luso-angolana, é a primeira artista portuguesa a integrar a colectânea oficial do “Piano Day”, para onde compôs o tema “Translucente”. “Albúm de Retratos” é o nome do EP de apresentação de Gisela Mabel e foi distinguido como “Jazz Album Of The Year”, pelo SoloPiano.

É a partir das influências da música clássica, jazz e contemporânea, que se misturam com ritmos africanos e brasileiros, que Gisela Mabel constrói uma identidade própria e estabelece a narrativa.

Em Gisela Mabel, cada nota, cada silêncio, tem uma história. O piano não deixa ninguém imune, é introspecção, é intimidade, é o prazer da partilha.

Na entrevista à RFI, entre outros temas, a pianista e compositora fala-nos das diferentes influências, do reconhecimento alcançado, do futuro e de como foram os primeiros passos no mundo do piano.

Gisela Mabel:

Tinha eu 13 anos, quando comecei a estudar piano no Conservatório de Música de Olhão, e, sinceramente, rapidamente descobri que o piano era uma companhia para a vida. Fosse onde fosse, estivesse onde estivesse, fosse profissionalmente ou não, eu sabia que ali estava a minha forma mais genuína de expressão. Eu acho que foi a partir daí que também comecei a compor, exactamente também nessa premissa de querer partilhar pensamentos, histórias, porque aliás, a música tem este poder de podermos partilhar humanidade, não é?! E quando é no colectivo, torna as coisas muito mais bonitas. E pronto, foi aí no Conservatório, em música clássica, que eu comecei esta jornada.

A Gisela Mabel começou na música clássica, mas depois houve um período em que decidiu transitar para o jazz. Como é que aconteceu essa transição?

Uma vez eu fui a um festival de música, eu ia participar também no festival, e esse tema era direcionado para o jazz.

Nós estávamos ali uma semana inteira a estudar temas de jazz, a conhecer a linguagem, e no final íamos apresentar aquilo que tínhamos estado a estudar. No final desse festival, eu vi um concerto do Mário Laginha com a Maria João, e houve um tema particularmente que me chamou muito a atenção, que é o Beatriz, do Chico Buarque, e a partir daí houve em mim um clique. O que é isto? Que linguagem é esta? E depois, pronto. Acabei por acabar o Conservatório, mas sempre com aquela semente em mim, de que eu quero ir ver o que é aquilo. E vim para Lisboa, estudar jazz.

Como é que foi a adaptação? Como é que foi o entrar nessa nova vertente, nesse novo manifestar no campo da música?

Foi muito natural, para ser muito sincera. Claro que nós estamos habituados, no clássico, a uma linguagem diferente, a uma interpretação diferente, e no jazz aquilo tem uma componente, até uma liberdade de expressão diferente.

Eu, sinceramente, acho que foi isso, foi muito natural. Obviamente que eu estive ali um ano a tentar entender, mas eu também já ouvia. Eu, a partir daquele momento, daquele festival, eu fui pesquisar, eu ouvi muito, eu já ouvia música jazz.

É engraçado que eu, quando estava no Conservatório, havia várias pessoas que me diziam assim, epá, tu tens que ver o que é o jazz. E para mim aquilo era chinês, a verdade é esta. E isso ficou-me na cabeça.

Mas, de uma forma geral, acho que foi super natural, porque eu também estava pré-disposta a isso.

A Gisela Mabel tem raízes também em África, mais concretamente em Angola. Há algo da música de Angola, da música africana, que transparece naquilo que a Gisela Mabel apresenta actualmente?

Sim, eu acho que as nossas experiências e a nossa identidade se expressam depois na música.

Eu, desde muito miúda, que oiço a música africana, artistas como Bonga, Cesária Évora, até mesmo Kuduro, Funaná, Kizomba. Essa música sempre esteve muito presente em mim. E é exactamente isso que estás a dizer, existe um ritmo e um balanço que eu acho que o encontro muito naturalmente. É difícil materializar isto.

Por exemplo, quando comecei a estudar jazz, nós estudámos os standards e houve ali um tema que se chama Blue Bossa, que é um tema que é mais direccionado para a música brasileira até. É uma bossa nova, assim dizendo. Eu toquei aquele tema e aquele tema disse-me coisas que outros ainda não tinham dito. Na altura, até queria explorar mais aquela vertente musical e por isso mesmo também é que saí da escola, porque não era tão abordada, e fui à procura de música brasileira.

A partir do momento em que eu fui estudando, com o passar do tempo, comecei-me a perceber que aquilo era muito próximo da música africana. O ritmo, a forma como vem a música, o paralelismo até da música com a vida. Acho que eu tinha em mim uma parte que realmente estava à espera de ser descoberta, que era essa forma de viver a música.

Parte dessa descoberta foi recentemente colocada em disco, com o lançamento do EP Álbum de Retratos. Como é que foi o trabalho de composição destes cinco temas?

Olha, desde o início que queria que este EP tivesse uma abordagem mais próxima, mais crua, até a nível de instrumentalização. Eu comecei por compor o piano, porque é onde eu componho.

A partir do piano eu tinha depois vários caminhos, várias possibilidades e eu tive que fazer o trabalho de perceber qual era a mensagem que eu queria passar e qual era a sonoridade que seria mais adequada a essa mensagem. Optei por escolher esse som mais fechado, mais próximo, porque este EP é uma abordagem até bastante pessoal. Ele é uma interpretação e uma reflexão minha a momentos, a pessoas, a histórias que fizeram parte da minha vida.

Qual o tema mais forte, que lhe é mais próximo?

Aquele que me é mais especial e que me toca mesmo, eu acho que é realmente o Sonho de Abril. O Sonho de Abril. Abril, para mim, já é um mês que sempre foi muito especial.

É um mês onde eu celebro a vida, as conquistas, onde se celebra a liberdade, onde nascem também as primeiras flores e que trazem com elas aquela conotação de renascimento e de esperança e já por si eu vejo este simbolismo no sonho de Abril. Depois, o Sonho de Abril é uma homenagem à minha mãe e é também uma procura de dar voz a mulheres guerreiras, invisíveis, a quem lhes foi privada esta liberdade de sonhar. Daí ser Sonho de Abril.

Translucent é um tema que compôs para a colectânea Piano Day, um momento especial, imagino. O que é que representa para a Gisela Mabel, enquanto jovem compositora e pianista, ter o convite e ter o Translucent como um dos temas da colectânea Piano Day?

Então, é muito especial, não é?! Isto é uma colectânea que todos os anos, para celebrar o Dia Mundial do Piano, são convidados pianistas de todo o mundo a comporem um tema inédito para depois fazerem parte deste lançamento. Eu receber este convite é uma surpresa muito bonita porque isto é um reconhecimento do trabalho que tenho vindo a desenvolver e eu acho que nós, como artistas, ou mesmo qualquer outra pessoa noutra área, o reconhecimento do trabalho é muito importante porque dá-nos uma motivação, é um sinal de que estamos num caminho bom. E fazer parte disto é uma forma também da minha música poder chegar a outros cantos do mundo e internacionalizar, que é também um dos meus objetivos.

O EP Álbum de Retratos tem tido belíssimas críticas em diversas plataformas dedicadas ao Jazz e ao Piano. Depois do Álbum de Retratos já há um próximo trabalho em perspectiva?

É assim, depois de um EP vem sempre um álbum, não é?! Sim, há um trabalho já a ser iniciado, já me estou a preparar para construir esta nova aventura. Há uma coisa essencial que eu faço comigo, que é preservar a minha liberdade criativa e isso significa ir onde eu quiser, sem fronteiras, e depois é ser o máximo genuína comigo própria e sincera. Portanto, a partir do momento em que eu faço isto, pode vir um mundo atrás.

Portanto, olha, o que eu tenho a dizer é estejam atentos às novidades.

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