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Durante três dias, políticos, economistas, representantes de organizações internacionais e não governamentais, académicos e activistas reuniram-se em Marraquexe, entre 1 e 3 de Junho, para a 11a edição da conferência Ibrahim Governance Weekend. Este ano, discutiu-se a necessidade de o continente mudar de mentalidade perante o declínio da ajuda internacional e perante a instabilidade geopolítica internacional.
Todos os anos, a conferência Ibrahim Governance Weekend junta vozes de toda a África e do resto do mundo para debater questões de importância crucial para o desenvolvimento do continente.
Organizada pela Fundação Mo Ibrahim, ao longo dos anos foram debatidos temas como a agricultura, a juventude, serviços públicos, migrações ou alterações climáticas.
Nesta 11ª. edição, a conferência encontra África perante um novo desafio. O declínio do volume de ajuda internacional, associado à instabilidade geopolítica .
Mas no que alguns analistas vêem um problema, outros identificam uma oportunidade. O economista Carlos Lopes acredita que a tensão entre a Europa e os Estados Unidos deve ser aproveitada por África para negociar melhores condições em projectos económicos, mas também para mudar a sua própria mentalidade na estratégia de desenvolvimento social e económico.
"Existe uma divergência total de pontos de vista entre os principais actores, que até agora tinham uma espécie de condicionalidade na forma como prestavam assistência e ajuda. E, portanto, por essas razões, a África tem mais espaço de manobra. E esse espaço de manobra pode ser positivo se a África o aproveitar para fazer um determinado número de reformas importantes. Uma delas é ter muito mais atenção ao investimento interno doméstico africano, sabendo nós que, por exemplo, as grandes reservas da África em termos monetários, como, por exemplo, fundos de pensão, os fundos soberanos, etc., depositam as suas economias e os seus investimentos fora da África. Portanto, agora é o momento de apostar no continente. E também fazer com que a frente de discussão de políticas macroeconómicas não sejam tão penalizantes para a África como foram até agora, porque acabou a ortodoxia. Ninguém pode dizer que é assim que se fazem as coisas, porque toda a gente está a fazer o que não deveria, entre aspas, em termos de regulações internacionais. A guerra de tarifas é um bom exemplo, não é? É contrário a todas as normas da Organização Mundial de Comércio. Então, se os Estados Unidos, que são a principal economia mundial, o fazem, não pode exigir a essas organizações que os países mais vulneráveis respeitem as regras do jogo, não é? Portanto, este é um período de oportunidades, mas tem que ser utilizado. Se não for utilizado, passa”, disse.
"Nós podemos dizer que, de uma certa forma, há duas indicações de como a África vai actuar. A primeira vem da forma como respondeu à pós-pandemia, porque durante a pandemia a África foi muito afectada pela estrutura internacional. Foram prometidas muitas coisas que não foram feitas. Esperava-se que a África ia entrar numa catástrofe total e seria a região do mundo com mais mortes, etc. Não foi isso que aconteceu. E, portanto, mostrou resiliência e mostrou também uma passagem ao período transaccional. Ou seja, começou a contar com as suas próprias forças, por um lado, e negociar com todos em pé de igualdade, ou seja, não escolher amigos preferenciais. E a segunda indicação é o estabelecimento da Zona de livre comércio. Porque nós entramos na Zona de livre comércio em plena pandemia. Um projecto dessa envergadura começar no meio de uma pandemia é uma indicação de forte vontade política. São processos complicados de integrar os mercados, como nós sabemos até pelo exemplo da União Europeia. Mas África está fazendo progresso. Já tem 90% das tarifas que estão harmonizadas internamente, o que é um passo gigantesco em relação à situação de há 10 anos atrás. E temos outras indicações como, por exemplo, na área da livre circulação das pessoas, na área dos serviços, comércio electrónico. Protocolos que foram assinados e que estavam mais ou menos dormentes estão agora a ser implementados a mais rápida velocidade. Acho que se continuarmos nessa linha, vamos atuar de uma forma conjunta. Mas é muito cedo ainda para dizer o que vai acontecer”, continuou.
Na conferência estiveram o director-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, a secretária-geral adjunta da ONU, Amina J. Mohammed, a directora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, fez uma intervenção por videoconferência. A palavra de ordem foi a mudança de mentalidade dos países africanos. O continente deve abandonar o modelo ultrapassado de dependência do financiamento externo e das exportações de matérias-primas e passar a usar os seus próprios recursos de forma mais eficaz. África não deve pedir mais dinheiro, mas usar o dinheiro que tem de forma mais inteligente ou mobilizar os seus próprios recursos naturais para atrair capital do sector privado.
A vice-presidente do MPLA, Mara Quiosa, liderou uma delegação angolana à conferência e mostrou-se entusiasmada.
"Estamos muito satisfeitos por estar aqui e por ter a oportunidade de participar de tão importantes painéis, com debates muito interessantes, com debates de África para africanos. Debates importantes como a questão e a necessidade de continuarmos a captar financiamento para que possamos continuar a aumentar as nossas infra-estruturas e quando falamos em infra-estrutura estamos a nos referir essencialmente à necessidade de construção de mais portos, aeroportos, vias de comunicação, equipamentos sociais básicos também em uma ou outra situação, como mais escolas, mais unidades sanitárias”, salientou.
"Houve uma questão interessante que foi colocada ali que é exactamente que África queremos. É preciso termos noção do que é que queremos para podermos trabalhar, para podermos caminhar em direcção a este grande objectivo. Portanto, queremos uma África cada vez mais próspera, uma África cada vez mais mais envolvida e seguramente uma África que dependa cada vez menos de outros continentes. É preciso fazer a África, mas é preciso que esta África seja feita por africanos. Naturalmente que ali, onde houver alguma carência de algum 'know-how', de algum conhecimento ou mais, serão sempre muito bem-vindos, mas é preciso percebermos que nós, africanos, é que temos de fazer a África e deixar, como disse, de depender de outros continentes. Nós temos muitos recursos naturais, nós temos mais do que recursos naturais, nós temos recursos humanos, temos o capital humano que no fundo é a nossa grande bandeira. Homens e mulheres capazes de, com comprometimento, com responsabilidade, mas acima de tudo, com querer, com vontade de fazer de África um lugar cada vez melhor para se viver”, afirmou.
O antigo presidente cabo-verdiano, Pedro Pires, avisou que, para concretizar esta ambição, é importante ter líderes africanos preparados. Pedro Pires foi reconhecido em 2011 com o Prémio Mo Ibrahim de Boa Governação em África por transformar Cabo Verde num modelo de democracia, estabilidade e prosperidade. Em 2013, criou o Instituto Pedro Pires para a Liderança (IPP) para formar líderes emergentes africanos lusófonos e passar o seu conhecimento e os seus valores.
"O debate aqui centrou-se sobre a mudança de mentalidade dos africanos, das lideranças africanas. Eu creio que a África tem recursos suficientes para garantir o seu desenvolvimento. Ficou provado pelos números apresentados que é possível. Agora, há a necessidade de mudança de mentalidade, acreditar que se pode e investir nessa direcção. E correr o risco de falhar. Porque o grande problema, geralmente, é que muitas vezes as pessoas têm medo de falhar. E ao ter medo de falhar, têm medo de inovar, têm medo de criar, têm medo de se confrontar com o imprevisível, com aquilo que não estamos a ver, mas que existe. Então, a formação da liderança, o debate sobre essas questões, sobre essas questões, é fundamental. África não pode estar de mãos estendidas quando tem recursos. Tem de se assumir, assumir os seus recursos, assumir a sua riqueza e utilizar melhor as suas riquezas”, exortou.
Como é comum, os participantes saíram da conferência determinados e cheios de boa vontade. Mas será preciso esperar vários anos, talvez décadas, para saber se as palavras e as boas intenções foram traduzidas na prática pelos políticos.
Bruno Manteigas, de regresso de Marraquexe, RFI
By RFI PortuguêsDurante três dias, políticos, economistas, representantes de organizações internacionais e não governamentais, académicos e activistas reuniram-se em Marraquexe, entre 1 e 3 de Junho, para a 11a edição da conferência Ibrahim Governance Weekend. Este ano, discutiu-se a necessidade de o continente mudar de mentalidade perante o declínio da ajuda internacional e perante a instabilidade geopolítica internacional.
Todos os anos, a conferência Ibrahim Governance Weekend junta vozes de toda a África e do resto do mundo para debater questões de importância crucial para o desenvolvimento do continente.
Organizada pela Fundação Mo Ibrahim, ao longo dos anos foram debatidos temas como a agricultura, a juventude, serviços públicos, migrações ou alterações climáticas.
Nesta 11ª. edição, a conferência encontra África perante um novo desafio. O declínio do volume de ajuda internacional, associado à instabilidade geopolítica .
Mas no que alguns analistas vêem um problema, outros identificam uma oportunidade. O economista Carlos Lopes acredita que a tensão entre a Europa e os Estados Unidos deve ser aproveitada por África para negociar melhores condições em projectos económicos, mas também para mudar a sua própria mentalidade na estratégia de desenvolvimento social e económico.
"Existe uma divergência total de pontos de vista entre os principais actores, que até agora tinham uma espécie de condicionalidade na forma como prestavam assistência e ajuda. E, portanto, por essas razões, a África tem mais espaço de manobra. E esse espaço de manobra pode ser positivo se a África o aproveitar para fazer um determinado número de reformas importantes. Uma delas é ter muito mais atenção ao investimento interno doméstico africano, sabendo nós que, por exemplo, as grandes reservas da África em termos monetários, como, por exemplo, fundos de pensão, os fundos soberanos, etc., depositam as suas economias e os seus investimentos fora da África. Portanto, agora é o momento de apostar no continente. E também fazer com que a frente de discussão de políticas macroeconómicas não sejam tão penalizantes para a África como foram até agora, porque acabou a ortodoxia. Ninguém pode dizer que é assim que se fazem as coisas, porque toda a gente está a fazer o que não deveria, entre aspas, em termos de regulações internacionais. A guerra de tarifas é um bom exemplo, não é? É contrário a todas as normas da Organização Mundial de Comércio. Então, se os Estados Unidos, que são a principal economia mundial, o fazem, não pode exigir a essas organizações que os países mais vulneráveis respeitem as regras do jogo, não é? Portanto, este é um período de oportunidades, mas tem que ser utilizado. Se não for utilizado, passa”, disse.
"Nós podemos dizer que, de uma certa forma, há duas indicações de como a África vai actuar. A primeira vem da forma como respondeu à pós-pandemia, porque durante a pandemia a África foi muito afectada pela estrutura internacional. Foram prometidas muitas coisas que não foram feitas. Esperava-se que a África ia entrar numa catástrofe total e seria a região do mundo com mais mortes, etc. Não foi isso que aconteceu. E, portanto, mostrou resiliência e mostrou também uma passagem ao período transaccional. Ou seja, começou a contar com as suas próprias forças, por um lado, e negociar com todos em pé de igualdade, ou seja, não escolher amigos preferenciais. E a segunda indicação é o estabelecimento da Zona de livre comércio. Porque nós entramos na Zona de livre comércio em plena pandemia. Um projecto dessa envergadura começar no meio de uma pandemia é uma indicação de forte vontade política. São processos complicados de integrar os mercados, como nós sabemos até pelo exemplo da União Europeia. Mas África está fazendo progresso. Já tem 90% das tarifas que estão harmonizadas internamente, o que é um passo gigantesco em relação à situação de há 10 anos atrás. E temos outras indicações como, por exemplo, na área da livre circulação das pessoas, na área dos serviços, comércio electrónico. Protocolos que foram assinados e que estavam mais ou menos dormentes estão agora a ser implementados a mais rápida velocidade. Acho que se continuarmos nessa linha, vamos atuar de uma forma conjunta. Mas é muito cedo ainda para dizer o que vai acontecer”, continuou.
Na conferência estiveram o director-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, a secretária-geral adjunta da ONU, Amina J. Mohammed, a directora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, fez uma intervenção por videoconferência. A palavra de ordem foi a mudança de mentalidade dos países africanos. O continente deve abandonar o modelo ultrapassado de dependência do financiamento externo e das exportações de matérias-primas e passar a usar os seus próprios recursos de forma mais eficaz. África não deve pedir mais dinheiro, mas usar o dinheiro que tem de forma mais inteligente ou mobilizar os seus próprios recursos naturais para atrair capital do sector privado.
A vice-presidente do MPLA, Mara Quiosa, liderou uma delegação angolana à conferência e mostrou-se entusiasmada.
"Estamos muito satisfeitos por estar aqui e por ter a oportunidade de participar de tão importantes painéis, com debates muito interessantes, com debates de África para africanos. Debates importantes como a questão e a necessidade de continuarmos a captar financiamento para que possamos continuar a aumentar as nossas infra-estruturas e quando falamos em infra-estrutura estamos a nos referir essencialmente à necessidade de construção de mais portos, aeroportos, vias de comunicação, equipamentos sociais básicos também em uma ou outra situação, como mais escolas, mais unidades sanitárias”, salientou.
"Houve uma questão interessante que foi colocada ali que é exactamente que África queremos. É preciso termos noção do que é que queremos para podermos trabalhar, para podermos caminhar em direcção a este grande objectivo. Portanto, queremos uma África cada vez mais próspera, uma África cada vez mais mais envolvida e seguramente uma África que dependa cada vez menos de outros continentes. É preciso fazer a África, mas é preciso que esta África seja feita por africanos. Naturalmente que ali, onde houver alguma carência de algum 'know-how', de algum conhecimento ou mais, serão sempre muito bem-vindos, mas é preciso percebermos que nós, africanos, é que temos de fazer a África e deixar, como disse, de depender de outros continentes. Nós temos muitos recursos naturais, nós temos mais do que recursos naturais, nós temos recursos humanos, temos o capital humano que no fundo é a nossa grande bandeira. Homens e mulheres capazes de, com comprometimento, com responsabilidade, mas acima de tudo, com querer, com vontade de fazer de África um lugar cada vez melhor para se viver”, afirmou.
O antigo presidente cabo-verdiano, Pedro Pires, avisou que, para concretizar esta ambição, é importante ter líderes africanos preparados. Pedro Pires foi reconhecido em 2011 com o Prémio Mo Ibrahim de Boa Governação em África por transformar Cabo Verde num modelo de democracia, estabilidade e prosperidade. Em 2013, criou o Instituto Pedro Pires para a Liderança (IPP) para formar líderes emergentes africanos lusófonos e passar o seu conhecimento e os seus valores.
"O debate aqui centrou-se sobre a mudança de mentalidade dos africanos, das lideranças africanas. Eu creio que a África tem recursos suficientes para garantir o seu desenvolvimento. Ficou provado pelos números apresentados que é possível. Agora, há a necessidade de mudança de mentalidade, acreditar que se pode e investir nessa direcção. E correr o risco de falhar. Porque o grande problema, geralmente, é que muitas vezes as pessoas têm medo de falhar. E ao ter medo de falhar, têm medo de inovar, têm medo de criar, têm medo de se confrontar com o imprevisível, com aquilo que não estamos a ver, mas que existe. Então, a formação da liderança, o debate sobre essas questões, sobre essas questões, é fundamental. África não pode estar de mãos estendidas quando tem recursos. Tem de se assumir, assumir os seus recursos, assumir a sua riqueza e utilizar melhor as suas riquezas”, exortou.
Como é comum, os participantes saíram da conferência determinados e cheios de boa vontade. Mas será preciso esperar vários anos, talvez décadas, para saber se as palavras e as boas intenções foram traduzidas na prática pelos políticos.
Bruno Manteigas, de regresso de Marraquexe, RFI

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