Ciência

Luta biológica: A arma ecológica contra pragas nos Açores


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A luta biológica destaca-se como uma estratégia essencial para o controlo sustentável das pragas nos Açores, substituindo pesticidas químicos por organismos naturais que regulam as populações invasoras. O professor jubilado e investigador do Centro de Biotecnologia dos Açores, Nelson Simões, explica como a luta biológica se tornou uma ferramenta essencial no combate às pragas nos Açores, destacando as vantagens ecológicas e os desafios desta abordagem face às ameaças crescentes causadas por organismos invasores e às alterações climáticas.

Qual é o papel da luta biológica no combate sustentável às pragas nos Açores?

Trabalhamos com germes patogénicos de insectos e o meu interesse é particularmente a utilização desses germes, uma vez que eles produzem moléculas que são tóxicas para os insectos. Nós retiramos os genes edificantes dessas moléculas, tentado melhorar a actividade dessas moléculas.

O controlo biológico, ao fim ao cabo, é a substituição dos pesticidas de síntese química por organismos que são parasitas ou predadores naturais das pragas. Aquilo que vamos fazer é procurar esses agentes, quer sejam predadores, quer sejam agentes patogénicos dessas pragas. No meu caso concreto, estávamos a falar de pragas insectos. Íamos à procura desses agentes de controlo e depois tentávamos desenvolver o processo de modo a torná-lo eficaz, visto que, na realidade, há uma grande distância entre a existência desse agente patogénico ou desse controlador no terreno e depois a sua utilização. Aquilo que fazemos é tentar melhorar estes agentes e adaptá-los de modo a que eles possam ser controladores.

E porque é que a ilha dos Açores, especificamente, é um terreno fértil para esse tipo de investigação?

As ilhas estão muito sujeitas a invasões, ou seja, à entrada de organismos estranhos. Normalmente, quando entram esses organismos estranhos, não têm controladores naturais para fazer o controlo. A tendência é que esses invasores se expandam com muita facilidade e ocupem o terreno. Isto é um aspecto.

Outro aspecto é que, quando se consegue encontrar algum controlador, temos um espaço físico muito limitado que facilita o estudo dessas relações. Por exemplo, no caso aqui do escaravelho japonês, enquanto conseguimos delimitar duas ilhas, fazer trabalhos distintos em São Miguel e em São Jorge, por exemplo, os nossos colegas italianos e suíços não conseguiam fazer isso porque a praga dispersava e aquilo que faziam num sítio, no ano imediato, já estava noutro.

Refere-se ao escaravelho japonês?

Estamos a falar do escaravelho japonês, mas tem-se usado muitos outros insetos. Estou a falar do escaravelho porque foi o último com que trabalhámos e, neste momento, é um problema efectivamente na Europa desde 2018.

Que outras pragas ameaçam o arquipélago?

Temos pragas, por exemplo, em fruteiras e em pastagens que são extremamente importantes e que causam estragos. Existem ainda uma série de outros invasores que são efectivamente problemáticos para outras culturas, nomeadamente o tabaco. Atualmente já se faz muito pouco, mas temos pragas no tabaco e no milho que são muito importantes.

As alterações climáticas influenciam, de alguma forma, a chegada de novas pragas?

De certeza absoluta que isso vai acontecer. A dispersão vai ser diferente daquilo que foi até agora. Neste momento, nos Açores não temos esses sinais, mas a expectativa é que venha a acontecer.

Há vários estudos de predição, de distribuição de pragas em que efectivamente as alterações climáticas vão criar grandes problemas. Por exemplo, na situação actual, o norte da Europa — estou a falar de grande parte da Bélgica, Holanda e dos países escandinavos — provavelmente estão protegidos do escaravelho. Mas com as mudanças climáticas, aquilo que aparece é que o escaravelho vai lá chegar e vai sobreviver.

Aqui no arquipélago, que bom exemplo trouxe a luta biológica?

A luta biológica é considerada uma alternativa a tudo o que é a utilização de químicos, etc. Portanto, ecologicamente, a luta biológica é muito melhor aceite do que as outras práticas de controlo. Desde os finais dos anos 70, na Universidade dos Açores, instalou-se um laboratório de Ecologia Aplicada que começou a fazer trabalhos sobre a aplicação de luta biológica e, portanto, a substituir os pesticidas. Evidentemente que isso não foi utilizado em toda a sua extensão nos Açores, continuou-se a utilizar pesticidas. Agora, a informação existe. Nem sempre é possível aplicá-la, via de regra, é mais cara do que a utilização dos pesticidas químicos.

Os efeitos da luta biológica são também mais demorada?

Os efeitos não são tão rápidos. Os químicos têm uma actividade muito rápida, enquanto que os controladores biológicos necessitam de tempo para se adaptarem e para depois darem resultados.

As monoculturas também contribuíram para a propagação de pragas?

As monoculturas facilitam imenso o progresso das pragas, porque encontram todas as condições para se desenvolverem, por um lado, e, por outro lado, normalmente não encontram inimigos naturais que contrariem a praga.

O trabalho que foi desenvolvido aqui em relação ao escaravelho japonês foi transferido para a Europa, precisamente para eles poderem enfrentar a praga do escaravelho japonês?

Efectivamente, a expectativa é essa. Ou seja, que uma parte do conhecimento — que está a ser adquirido há cerca de 30 anos — possa ser transportado para lá [Europa] e que sirva de alguma coisa. Por exemplo, nós estávamos a usar aqui agentes patogénicos que depois foram usados, por exemplo, em Itália. Fizemos aqui estudos de microbioma e esperamos que parte dessa informação seja transferível, seja levada para a Europa.

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