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Reposição - Sebastião Salgado: A fotografia como memória da Humanidade


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A exposição Sebastião Salgado: Obras da Coleção da MEP está exposta no Centro Cultural Les Franciscaines, em Deauville, e apresenta um retrato das últimas décadas da história humana. Sebastião Salgado documenta o sofrimento, mas também a dignidade do ser humano em tempos de cataclismos sociais e naturais. Na exposição vemos algumas das obras mais emblemáticas, nomeadamente em África durante os anos 70 e 80, quando a guerra, a fome e a seca dominavam o continente, deixando marcas nas populações.

Em entrevista à RFI, no espaço da exposição, Sebastião Salgado fala com a mesma intensidade com que fotografa. Em cada palavra, transparece a visão crítica, mas também a sua compreensão da história social e política. Para ele, a fotografia, é mais do que uma arte; é um registo da realidade que não se pode desvirtuar. Através do olhar atento e sensível, Sebastião Salgado afirma que, por mais que a inteligência artificial consiga criar imagens, a fotografia continua a ser um reflexo do presente, um “corte representativo do planeta naquele momento”. Não há espaço para substituições: "A fotografia é outra coisa", diz Sebastião Salgado, defendendo que a essência da fotografia está na sua ligação com o mundo real.

Hoje, quando o digital parece diluir as fronteiras entre o real e o imaginário, Sebastião Salgado reafirma a importância da memória que a fotografia preserva. Com uma certa nostalgia, lamenta a efemeridade das imagens captadas nos telefones, aquelas que se perdem no limbo digital. O fotógrafo brasileiro sente que, na era digital, a fotografia deixou de ser um testemunho sólido, uma marca que sobrevive ao tempo.

A formação e a experiência de Sebastião Salgado são elementos fundamentais no seu trabalho. Economista, sociólogo e antropólogo, o fotógrafo tem uma visão das dinâmicas sociais que orientam o mundo. Essa visão ajudou-o a capturar a transição dos tempos, seja no fim da revolução industrial ou nas grandes migrações que documentou na série fotografica Êxodos. Quando Sebastião Salgado viu a indústria pesada desaparecer nos países desenvolvidos, percebeu que algo maior estava a acontecer: o mundo estava a reorganizar-se. As fábricas estavam a ser transferidas para países com mão-de-obra mais barata; a China, o Brasil ou o México. Mais do que um fenómeno económico, era uma revolução humana.

Mas se há algo que continua a dominar a sua reflexão, é a questão do futuro da humanidade. "Estamos a viver num mundo desorganizado", diz. A desordem política e social que caracteriza o nosso tempo é, para Sebastião Salgado, uma consequência do fim de um equilíbrio que parecia mais estável no passado. E o futuro? “Ninguém sabe o que vai acontecer”, diz, visivelmente preocupado pela destruição acelerada do planeta. O olhar do fotógrafo brasileiro está cheio de apreensão, mas também da aceitação quanto à fragilidade humana.

Sebastião Salgado recorda, ainda, com uma clareza dolorosa a experiência que viveu em Angola, nos anos 90, e Moçambique, em 1974, onde viveu momento do processo de independência. A violência, a brutalidade, e as tensões que marcaram esse momento da história, de guerra e resistência, são memórias que o fotógrafo carrega. “Fui ferido tanto em Angola como em Moçambique”, lembra. A reflexão sobre a evolução política em África é crítica. Para ele, a corrupção, que muitos tentam mascarar, não é um fenómeno restrito ao continente africano: é um mal comum, uma praga que afecta toda a humanidade. O que acontece em Angola, no Congo, no Uganda, não é um problema isolado – é uma questão de governança , de ética e de valores.

A colonização europeia, que deixou a África fragmentada e empobrecida, é uma das grandes responsáveis pela incapacidade de muitos países africanos de se consolidarem como nações. "Apenas 50 anos passaram desde a independência", recorda, com a tranquilidade de quem sabe que o processo de recuperação vai ser longo. Sebastião Salgado não esconde a frustração com o legado da exploração europeia, mas, ao mesmo tempo, acredita que o futuro pode ser mais promissor. "É preciso tempo", afirma, e é este tempo que, talvez, seja o maior luxo que os países africanos podem almejar.

A exposição de Sebastião Salgado em Deauville, até 1 de junho de 2025, não é apenas uma exibição de arte, masum convite à reflexão. O fotógrafo brasileiro ensina-nos que, mais do que retratar a miséria, é preciso olhara para os pequenos gestos de humanidade que resistem ao caos. A fotografia de Sebastião Salgado tornou-se num testamento. E, num momento em que o mundo vive muitas vezes à beira do precipício, talvez seja isso que mais precisamos: "testemunhos de uma realidade que não podemos esquecer".

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