A RFI foi aprender como jogar voleibol sentado, modalidade paralímpica que apaixonou os espectadores nos Jogos de Paris 2024, e o resultado foi surpreendente. Para quem já pratica esta modalidade, os Jogos Paralímpicos de 2024 foram um momento de exposição muito importante para trazer mais pessoas com deficiência para o desporto. Já para quem jogou pela primeira vez, é um jogo fisicamente muito exigente e que deu também origem a muitas brincadeiras e gargalhadas.
Tudo parece mais fácil e confortável quando estamos sentados. Sentamo-nos para descansar, para beber um café na esplanada, para esperar pelos transportes ou para ver um filme. Por isso, pode parecer estranha a ideia de praticar um desporto sentado ou, ainda mais estapafúrdia, a ideia de que esse desporto seja mais difícil de praticar sentado do que de pé.
Bem-vindos aos voleibol sentado!
A RFI foi convidada a participar numa formação de voleibol sentado pelo centro de imprensa da cidade Paris, modalidade olímpica nos Jogos de Paris 2024 e aceitou, embora deva confessar que à partida não sabia bem onde me estava a meter. Todos os praticantes que vieram a esta formação eram jornalistas e voluntários dos Jogos Paralímpicos, sem qualquer deficiência e, rapidamente, todos nos vimos confrontados pelas nossas limitações.
O voleibol sentado começou a ser jogado nos Países Baixos em 1956, como forma de reabilitação para os soldados feridos na II Guerra Mundial. Em 1980 tornou-se modalidade paralímpica e hoje é disputado tanto por equipas masculinas como femininas. Jerôme Dumas, treinador de voleibol sentado, e o nosso treinador para o dia, explica as diferenças desta modalidade face ao volei tradicional.
"Há uma grande diferença, a altura da rede é de um metro e 15 centímetros, as dimensões do campo também mudam: tem seis metros de largura por cinco de comprimento. E, por último, as pessoas jogam sentadas. É um desporto difícil e nós não imaginamos porque pensamos que como se chama voleibol sentado, associamos a outras coisas que fazemos sentados. Por exemplo, agora, nesta entrevista, estamos sentados. Quando alguém vai a nossa casa, convidamos a pessoa a sentar-se. Na escola, quando aprendemos na sala de aula, estamos sentados. Aqui, nesta modalidade, estamos a pedir ao cérebro que mude completamente o seu processo. Estou sentado, mas tenho de me mexer, tenho de decidir rapidamente. É essa a grande diferença. Portanto, é um desporto em que se desliza no chão e que exige não só ombros extraordinários, mas também uns abdominais excepcionais. Exige também um nível de resistência de cardio muito, muito elevado, porque tudo se passa muito rápido. Apercebemo-nos disso quando aqui nesta formação jogámos só com um balão, não foi? São cadeias musculares que não estão habituadas a trabalhar em conjunto ou não nesse sentido. Se for jogado a um nível muito elevado, como podemos ver com as espectaculares equipas dos Balcãs, a Bósnia-Herzegovina, por exemplo, vimos que é uma equipa muito técnica, mas que joga muito rápido. Também temos o Brasil, que joga muito, muito rápido, como as equipas de Fernando Guimarães que jogam de forma fantástica", indicou.
O treino começou de forma ligeira, com balões. Tínhamos de tentar manter o balão no ar enquano estávamos sentados no chão com as pernas alongadas, dando pequenos toques na bola. Até aí, fácil. Depois começaram os passes e fomos para a rede. Quando estamos impedidos de usar completamente as nossas pernas, mas temos de as arrastar para nos deslocar no terreno de jogo, ao mesmo tempo que lançamos uma bola, só há uma solução: aprender a deslizar.
E, para isso, nada melhor do que ver um profissional a jogar. Clinton Kieta-Sisidi tem metade do corpo paralisado e é jogador de voleibol sentado, uma modalidade que o seduziu nos Jogos Palímpicos de Tóquio, em 2021.
"Eu jogo voleibol há três anos. Pratico no PUC, Paris Université Club. Há muito tempo que eu queria jogar voleibol sentado. Vi esta modalidade na televisão, nos Jogos Paralímpicos de Tóquio e impressionou-me a equipa iraniana, com Morteza Mehrzad, o jogador alto que passa com facilidade e bloqueia também com facilidade. E eu sempre quis fazer isso. E durante os Jogos de Tóquio, no Trocadero, tínhamos oportunidade de experimentar diferentes modalidades. Eu fiz o râguebi em cadeira de rodas, ténis de mesa, basquetebol, esgrima em cadeira de rodas e havia também voleibol sentado e o meu treinador, Jérôme Dumas, estava a fazer a demonstração nesse dia e eu participei nessa iniciação, fiz alguns treinos e depois entrei no PUC", explicou.
Por algumas horas, Clinton Kieta-Sisidi aceitou jogar connosco, puros amadores que depois dos primeiros passos com uma verdadeira bola de voleibol, já nos queixávamos das dificuldades. As palavras de ordem no voleibol sentado e para além das regras que temos de seguir é: adaptação das nossas capacidades à modalidade.
"No nosso clube, fazemos um dia de treino por semana, porque eu faço muitas coisas diferentes, também faço capoeira, badminton e basquetebol. Por isso, fisicamente, estou bem. Mas, para começar a praticar, o voleibol sentado é um pouco complexo, porque tem a ver com deslocação, temos de deslizar no campo. E também é preciso encontrar técnicas, porque eu tenho um determinado tipo de deficiência, tenho hemiplégia, o que significa que estou paralisado de um lado do corpo. Por isso, tive de encontrar soluções para encontrar a técnica certa ou a postura certa para me deslocar. Ao longo dos treinos, fui criando diferentes tipos de remates técnicos para acomodar a minha deficiência e desenvolver o meu próprio tipo de deslize, um deslize personalizado, e depois havia a questão da recepção de passes, porque como só uso uma mão, também tenho de encontrar soluções para isso", disse em declarações à RFI.
Depois da primeira hora de treino e de lamentos sucessivos, algumas boladas mal dirigidas para a cara dos colegas e múltiplas interrogações sobre o porquê de termos todos vindo jogar um jogo para o qual não estávamos de forma nenhuma preparados, havia um consenso entre todos:
"É tão, mas tão difícil. Eu já sabia quer seria difícil, mas é impossível saber até experimentar. Eu acho mesmo que é mais difícil do que o vólei tradicional".
Quem o diz é Jill Jaracz, jornalista norte-americana, apresentadora e produtora do podcast "Keep the Flame Alive" sobre os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Ela foi a minha parceira de jogo na formação de voleibol sentado e mesmo com mais pericía e melhor pontaria, até a Jill teve dificuldades.
Ao mesmo tempo, criou-se um espírito de camaradagem. Rimos, brincámos uns com outros sobre a falta de jeito e na segunda hora já conseguíamos passar a bola correctamente entre todos para marcar alguns pontos. E esta é a magia do desporto. Uma magia ainda mais importante quando actua em pessoas com deficiência, especialmente no caso do voleibol, com deficiências físicas que podem impedir as pessoas de socializar e de participar regularmente em actividades de grupo.
"Gostaria de agradecer ao Comité Paralímpico internacional e ao francês, que colocaram o voleibol sentado no mapa durante estes Jogos Paralímpicos, com entrevistas, artigos e muita divulgação. A parte mais difícil de chegar às pessoas que têm acidentes com lesões permanentes nas suas vidas é ir busca-las a casa, fazê-las vir praticar esta modalidade e desfrutar do desporto. E o nosso desporto tem a vantagem de ser realmente adaptável. É um desporto inclusivo, por isso não se joga sempre contra pessoas que sofreram acidentes e há muitos graus diferentes de deficiência que podem jogar. Aqui, dizemos-lhes para virem jogar connosco, porque vamos estar todos juntos. E o desporto em equipa é algo contagiante, rapidamente a pessoa terá o gosto da prática e vai voltar a sentir aquele entusiamo que dá vontade de jogar todas as semanas", declarou o treinador Jerôme Dumas.
Este foi um desporto que apaixonou os espectadores dos Jogos Paralímpicos e levou milhares de pessoas à Arena Paris Nord, como relatou Jill Jaracz.
"Eu fui a jogos de volei sentado e é muito divertido assistir a jogos desta modalidade. Desde logo, os jogos são divertidos porque o público está super envolvido no jogo, assim como os animadores. Há os bloqueios, os ases e também as bolas perdidas. É tudo tão divertido de ir assistir ao vivo"
Mas esta não é uma modalidade, tal como as restantes paralímpicas, que se passa só de quatro em quatro anos ou que se pode verdadeiramente aprender em duas horas. Há milhares de pessoas dedicadas diariamente a este desporto e Clinton Kieta-Sisidi espera que os Jogos Paralímpicos tenham mostrado que estes são desportos que vale não só a pena seguir durante todo o ano, mas também sensibilizar toda a gente par a a sua complexidade e esforço das pessoas que as praticam.
"O que me marcou mais foi o ambiente, porque o público estava muito entusiasmado. Já nos Jogos Olímpicos, onde houve um grande ambiente nas bancadas com grandes figuras como Teddy Riner, era um verdadeiro peso pesado a nível desportivo. A França tem atletas muito bons nas disciplinas paradesportivas. Seja no ciclismo de pista, no ciclismo de estrada ou na natação. Portanto, foram muitas, muitas medalhas e triunfos. Agora teremos de fazer um balanço daqui a seis meses ou um ano para ver se houve algum efeito nos Jogos Paralímpicos. Porque já houve um legado em termos de infraestruturas. Foram construídos muitos edifícios para os Jogos Paraolímpicos que vão tentar perdurar no tempo, porque do ponto de vista ecológico e social é importante e também temos de mudar a mentalidade sobre a deficiência e dizer que a deficiência pode ser um fardo num determinado momento, mas há sempre soluções e o desporto é uma solução para criar um futuro para as crianças e mesmo para os adultos que ficaram recentemente deficientes", expressou.
E nós? Para além das dores descobertas em músculos que nem conhecíamos, como se saíram os participantes desta formação de voleibol sentado? Jerôme Dumas deu o seu veredicto.
"Sinceramente, estava a falar sobre isso com outra jornalista e fiquei muito surpreendido com o que conseguiram fazer, porque o voleibol sentado é uma modalidade técnica, mas deram o vosso melhor e fizeram coisas fantásticas", concluiu.
Obrigada treinador! E obrigada por ter acompanhado este magazine Desporto. Até sexta-feira.