O ano começou com a expectativa de mais uma aprovação de reforma estruturante no Congresso, a tributária, após o êxito com as mudanças na Previdência. O Congresso chegou a formar comissão mista para debater a reforma tributária, mas a pandemia em março forçou um adiamento nos planos.
“O ano de 2020 e o que falta ser cumprido do mandato Bolsonaro passou a ter outra dimensão política, econômica e institucional”, avalia Fabio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo. Em seu entendimento, a pandemia cria um álibi para possíveis entregas abaixo das expectativas ao fim do primeiro mandato, pavimentando o discurso de que os resultados viriam com mais quatro anos no poder.
Em relação à postura do governo na pandemia em si, houve desde o início uma minimização de sua amplitude. “Aí entrou o Supremo, assim como o poder Legislativo. Ou seja, as instituições se articularam para fazer frente a esse aparente negacionismo do Executivo”, lembra Zambeli. “O distanciamento social foi o primeiro mantra de enfrentamento que o Executivo estimulou com o Supremo”.
Para lembrar, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que estados e municípios poderiam definir regras de distanciamento social. No fim do ano, o tribunal, em decisão no mesmo sentido, entendeu que os estados podem tornar a vacina contra a Covid-19 obrigatória em seus domínios.
Ao governo, restou o papel de assinar o cheque das ações de combate à pandemia, com isenção de responsabilidades. “Eles [ministros do Supremo] simplesmente estão ajudando na governança e isso não atrapalha o governo, inclusive ajuda”, destaca Felipe Recondo, diretor de Conteúdo e sócio-fundador do JOTA.
Mesmo na parte econômica, as principais medidas da pandemia foram formuladas de forma coletiva. O Orçamento de Guerra, que permitiu gastos sem afetar o teto, teve a participação do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Legislativo. Coube ao Congresso aprimorar o auxílio emergencial, que depois se tornou peça-chave para alavancar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“A tendência da aprovação dele é cair agora no começo do ano, com o fim do auxílio emergencial”, lembra Zambeli. “Mas ele já demonstrou que tem um piso de popularidade, de pouco mais de 20%, então ele precisa falar com essa base”, diz. “Se ele tiver pouco mais de 20% de bom ou ótimo na avaliação, é muito difícil disputar uma eleição sem ir para o segundo turno”.
No Congresso, as expectativas todas se voltam agora para as eleições das Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado. A disputa na Câmara vai se concentrar entre o candidato do Centrão e do governo, Arthur Lira (PP-AL), e o nome do bloco costurado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), que contém 11 partidos de diferentes espectros, como PT, PCdoB, PSL, MDB e DEM.
“O Centrão pode até perder a eleição na Mesa da Câmara, e é possível que perca, mas quem vai mobilizar no plenário é o Centrão”, destaca Zambeli. “A esquerda está fazendo um movimento com o Rodrigo Maia e pode conseguir pautar projetos, mas é difícil aprovar”, pondera.
Já no Supremo Tribunal Federal, a pandemia trouxe um verniz de consenso entre os ministros. “Sem a Covid, o Supremo volta à situação em que os temas dividem o tribunal, então veremos uma nova realidade, e com um novo tribunal, com Nunes Marques e Marco Aurélio saindo em junho”, afirma Felipe Recondo.
Em 2020, houve uma aproximação do STF com o governo depois da saída do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. “Era como se a presença do Sergio Moro no governo fosse uma arma apontada para os ministros do Supremo constantemente”, avalia Recondo. “Impressionante a força da saída do Moro para a composição do governo com outros poderes”, completa. Com a saída de Moro, Bolsonaro ficou mais confortável para dialogar de forma aberta com o Centrão e o presidente tem nesses parlamentares hoje um dos principais alicerces do governo.