Vida em França

A história do oficial de Marinha que trocou a ditadura pela liberdade


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O livro “Itinéraires du Refus”, de Jorge Valadas, conta a história de um jovem e, através dele, de um século marcado por escolhas e rupturas decisivas. Jorge Valadas optou pelo caminho da dissidência e da liberdade nos “anos silenciosos” da ditadura portuguesa. Disse não à guerra colonial e desertou da Marinha. Depois, participou activamente no Maio de 68, em Paris, militou contra a guerra no Vietname nos Estados Unidos, e viveu o período revolucionário em Portugal depois do 25 de Abril de 1974. Cinquenta anos depois, escreve que “desobedecer é o primeiro dever de liberdade”. O livro “Itinéraires du Refus” é apresentado, esta quinta-feira, em Paris.

A ditadura, o medo, o silêncio, a deserção, o Maio de 68, o 25 de Abril e o exílio são alguns dos temas que percorrem “Itinéraires du Refus”, de Jorge Valadas. A partir da sua história e das suas escolhas e caminhos a contra-corrente, Jorge Valadas convoca uma história colectiva.

“É o percurso da minha vida a partir do momento em que tomei uma decisão de fazer uma ruptura que marcou completamente a minha existência e as minhas relações com o mundo. Foi o momento do abandono da sociedade portuguesa com tudo o que ela me significava de opressivo e de repressivo em circunstâncias históricas particulares que eram as da guerra colonial e do regime salazarista. A minha recusa da sociedade portuguesa abriu-me, de certa maneira, para o mundo”, conta à RFI Jorge Valadas.  

Contra o silêncio, contra o medo, contra a repressão. Contra a guerra colonial, o colonialismo e a ditadura. Jorge Valadas escreveu e assumiu os seus “itinerários”. Desertou da Marinha porque - como tantos milhares de homens - recusava a guerra contra os que lutavam pela independência. Disse não a todo um sistema repressivo que começava em casa, continuava na rua e se lia nos silêncios e obediências forçadas. No colete de forças da ditadura, “desobedecer é o primeiro dever de liberdade”, lemos no livro, e “o exílio é um caminho escolhido”. Falar da deserção à guerra colonial é romper silêncios em torno de um tema de que ainda pouco se fala e é também contrariar "um período de amnésia histórica enorme" em Portugal.

Meses depois de chegar a França, vive o Maio de 68 e leva em cheio com o contraste entre o silêncio de Portugal e as maiores manifestações em França no século XX. Viveu e participou em tudo intensamente. E recordou-nos algumas das imagens e dos momentos mais marcantes. 

Nesta conversa, conta-nos também o que fazia junto com os camaradas da “tribo” do grupo Cadernos de Circunstância, em Paris, incluindo o episódio em que enviaram material para Portugal dentro de um “submarino comprado pelo regime fascista português à democracia francesa”. Entre os participantes, dois amigos que integrariam “o sector mais revolucionário do MFA na Revolução dos Cravos".

Jorge Valadas também nos recorda sobre como viajou para os Estados Unidos com um passaporte falso feito pelo “aluno português do mestre Kaminsky”, um falsificador mítico, e como aí continuou a viver o seu Maio de 68. Curiosamente, o Maio de 68 continuaria, mais tarde, em Portugal, uma semana após o 25 de Abril de 1974, quando regressa no comboio Sud Express. Antes da efervescência das ocupações e das lutas - sobretudo das mulheres que acompanhou, por exemplo, na fábrica Santogal, no Montijo - há um episódio que Jorge Valadas recorda emocionado e que também conta no livro. É quando chega a Vilar Formoso e um soldado lhe agradece por ter desertado. Graças a ele e a homens como ele, é que se chegou à Revolução, disse o furriel.

Ao longo do livro, o tema do exílio é outro fio condutor. “Um exílio que começa em Lisboa”, que é “uma força que liberta mas também que aliena”. Será este livro uma forma de reparar a “ferida do exílio” e de se reconciliar com Portugal? “Foi uma reparação, mas eu regresso a Portugal regularmente e nunca está reparado porque reaparece sempre (...) Reaparece sempre esse desconforto entre o que voltamos a encontrar e que nos reconcilia com o passado e aquilo que não queremos encontrar e que está lá de novo.”

“Itinéraires du Refus” é o segundo livro da colecção “Brûle-Frontières” da editora Chandeigne & Lima, depois de “Souvenirs d’un futur radieux” de José Vieira. O livro foi publicado a 21 de Março e é apresentado esta quinta-feira, na Livraria Jonas, em Paris.

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