Decorre de 09 a 13 de Junho, na cidade de Nice, França, a terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3). Localizado em pleno Atlântico Norte, o arquipélago dos Açores aparece com um papel de destaque: possui uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas da Europa e tem vindo a consolidar-se como exemplo de compromisso com a conservação marinha.
Decorre de 09 a 13 de Junho, na cidade de Nice, França, a terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3). Líderes políticos de todo o mundo, cientistas, organizações da sociedade civil e sector privado juntam-se para debater soluções concretas para a preservação e uso sustentável dos oceanos.
Localizado em pleno Atlântico Norte, o arquipélago dos Açores aparece com um papel de destaque: possui uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas da Europa e tem vindo a consolidar-se como exemplo de compromisso com a conservação marinha. Precisamente, exemplo disso é o programa Blue Azores, uma iniciativa do Governo Regional dos Açores, em parceria com a Fundação Oceano Azul e a organização internacional Waitt Institute, como explicou à reportagem da RFI Luís Bernardo Brito e Abreu, Assessor do Presidente do Governo dos Açores e Coordenador do Programa Blue Azores.
RFI: Em que consiste o programa Blue Azores?
Luís Bernardo Brito e Abreu, Coordenador do Programa Blue Azores: O programa Blue Azores faz parte de uma visão comum entre o Governo Regional dos Açores e os nossos parceiros, a Fundação Oceano Azul e o Waitt Institute, sobre uma grande temática que é a protecção do Oceano e especificamente do Mar dos Açores. Tendo como objectivo principal a sua protecção, valorização e promoção enquanto activo.
O programa iniciou-se ainda em 2019, como o primeiro memorando de entendimento que foi assinado, na altura, com o Governo Regional e estes dois parceiros. Mas, resulta, também, de algum trabalho preliminar, nomeadamente com duas expedições científicas que foram feitas em 2016 e 2018.
É um processo que se baseia no cumprimento dos objectivos internacionais para a protecção do oceano a nível mundial e, também, a nível europeu. Segue as metas previstas quer no quadro mundial de Biodiversidade, quer na Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 e também na Estratégia Nacional para o Mar 2030.
De uma forma muito resumida, esses objectivos concretos passam por proteger 30% do mar sob jurisdição nacional, no nosso caso a subárea Açores, que tem um milhão de quilómetros quadrados, portanto mesmo a nível global tem uma expressão bastante grande, sobretudo no Atlântico Norte. E esse objectivo é proteger legalmente 30% dessa área, com pelo menos 10% de protecção total, ou seja, sem nenhuma actividade extractiva.
Que políticas têm sido desenvolvidas no âmbito da protecção dos oceanos, concretamente nos Açores?
Blue Azores foi o programa que materializou essas políticas públicas. Portanto, foi um processo bastante longo, muito participado e que se baseou basicamente em três pilares.
O primeiro pilar foi a utilização do melhor conhecimento científico disponível. Portanto, foi a ciência que nos disse, mapeou e criou cenários de conservação.
O segundo pilar baseou-se na participação pública das partes interessadas. Portanto, houve um processo inédito que durou 18 meses, com mais de 40 reuniões com os stakeholders, com as partes interessadas, desde o sector da pesca, ao sector turístico, às autoridades, às ONG’s. Portanto, foi um trabalho de co-criação do desenho destas áreas, com base no que a ciência nos identificou.
E um terceiro pilar de decisão política. Portanto, ouvidas as partes, devido à ciência, houve uma tomada de decisão por forma a cumprir os objectivos internacionais, as políticas do governo e tentar arranjar um compromisso que cumprisse os objectivos de conservação e que, de alguma forma, também minimizasse os impactos socioeconómicos com estas medidas.
Materializou-se em Outubro de 2024, na aprovação, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, de um decreto legislativo regional que cria o novo Parque Marinho e a Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores.
A nível legislativo foi um processo difícil? Há dificuldades específicas por se tratar do mar?
Este diploma, é importante referir, cria as bases para a sua gestão efectiva. Um dos grandes riscos a nível mundial deste tipo de processo é as áreas ficarem apenas no papel e, portanto, elas só são efectivamente geridas e funcionam se fazem o seu trabalho, se tiverem planos de gestão, planos de ordenamento e tiverem uma aplicabilidade e a sua própria sustentabilidade financeira.
Existem aqui vários, várias etapas. Daí ter sido importante aprovar este diploma com tempo suficiente para se poderem concluir as restantes etapas até 2030. Este é o percurso que estamos a fazer.
Existem outros processos que acabam por ser decorrentes dessa mudança, nomeadamente a nível do sector da pesca, tem de haver uma adaptação, tem de haver uma transição assistida ao sector para se adaptar a esta nova realidade, porque alguns segmentos do sector da pesca vão ser altamente impactados com uma retracção da actividade em algumas áreas.
Quais são as grandes ameaças ao ecossistema do mar dos Açores?
A nível global existem três grandes ameaças: poluição marinha, sobretudo a nível de microplásticos; alterações climáticas - o oceano está a aquecer, a ficar mais ácido, com menos capacidade de absorver dióxido de carbono e, portanto, está a perder a sua resiliência, a sua capacidade de reagir às pressões. E uma terceira [ameaça] é uma perda de biodiversidade a um ritmo muito acelerado.
Essa perda de biodiversidade deve-se, também, à pesca intensiva aqui nos Açores?
Algumas espécies - foi publicado muito recentemente um artigo pela Universidade dos Açores - estão sob grande pressão e, portanto, não estão a conseguir recuperar o ritmo da sua extracção.
As áreas marinhas protegidas, na sua génese, não são áreas de gestão de pesca, portanto, existem para proteger ecossistemas vulneráveis [específicos de uma determinada área]. Mas, também sabemos que são das principais ferramentas para a recuperação dos stocks de pesca, uma vez que as áreas são protegidas. Normalmente estamos a falar de fontes hidrotermais, de corais, de profundidade, de esponjas. Podemos estar a falar de ecossistemas que não são necessariamente os stocks que são pescados comercialmente.
A verdade é que esses stocks acabam por recuperar e, a médio prazo, as áreas marinhas geram benefícios para a própria pesca por efeito de transbordo de stocks.
Como é que se faz a fiscalização para que os limites não sejam ultrapassados?
Há aqui um grande acréscimo a nível de área de protecção. Temos cerca de 287.000 quilómetros quadrados de novas áreas marinhas que vão ter de ser fiscalizadas. Portanto, a resposta muito rápida a essa pergunta é: não se vai conseguir fiscalizar apenas com os meios tradicionais que já existem.
Consegue-se através, sobretudo, de um panorama situacional marítimo esclarecido. Isto é feito com a ajuda de recursos de observação da terra pelo espaço, nomeadamente informação satélite. Depois, cada vez mais perto da costa, consegue-se com aeronaves, tripuladas ou não, com partilha de informação entre as várias entidades.
Também com o apoio da inteligência artificial?
Há algoritmos muito importantes para analisar a diversa informação que conseguimos receber a nível satélite e, portanto, quer seja a informação ou identificação específica das embarcações, quer seja por uma análise espectral da superfície e de imagem, toda esta informação deve ser tratada e deve ser analisada de uma forma conjunta.
O maior desafio, neste caso, para todos os países que estão neste processo, - e se pensarmos também numa futura fiscalização, quando estiverem activas as áreas marinhas protegidas do alto mar, do BBNJ, do Tratado da Biodiversidade para além de jurisdição nacional - é a nível de coordenação entre entidades e o enquadramento legal para que estes dados sejam usados como meio de prova, como meios de auto de notícia.
A cidade de Nice, em França, organiza a Cimeira das Nações Unidas sobre o Oceano. Que exemplo pode dar os Açores nesta matéria?
Os Açores e sobretudo, o presidente do Governo Regional, Dr. José Manuel Bolieiro, tem vindo nestes fóruns internacionais, praticamente desde que tomou posse, a assumir pessoalmente este compromisso de proteger o mar dos Açores. Portanto, fez a sua primeira declaração pública, exactamente na Conferência da ONU do Oceano, em Lisboa, em 2022, em que se comprometeu, muito antes de 2030, a proteger legalmente o mar dos Açores.
Portanto, este tem sido um compromisso sobretudo pessoal e tem vindo a afirmar nestas conferências que os Açores devem liderar pelo exemplo a nível internacional. Explicar como uma região ultraperiférica, com uma dimensão demográfica e territorial bastante pequena, mas com uma dimensão de riqueza e de tamanho oceânico bastante grande, pode criar um mapa, um padrão que as outras regiões devem seguir.
Ele reafirmou este compromisso na conferência Our Ocean, do ano passado, em Atenas e, portanto, agora em Nice, a sua presença será exactamente para explicar que o objectivo foi cumprido e que isto é apenas o primeiro passo.
O caminho é longo até à sua implementação total e, portanto, o compromisso agora dos Açores, uma vez aprovada esta designação com 30% do mar dos Açores protegidos, é não baixamos os braços e a implementação num espaço de tempo útil vai ser bastante exigente. Vai ter que ter o esforço de muitas entidades e que os outros territórios deviam seguir este exemplo.