Vida em França

Exposição de David Hockney na Fundação Louis Vuitton


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A exposição "Lembre-se de que não podem cancelar a primavera", de David Hockney, está patente na Fundação Louis Vuitton em Paris. Com mais de 400 obras, cobre 70 anos de criação, dos retratos e piscinas dos anos 60 e 70 às inovações digitais recentes. O investigador e médico Guilherme Queiroz percorre a mostra, oferecendo-nos o seu olhar sobre o percurso artístico do pintor britânico.

RFI: A exposição não é apenas uma perspectiva, é também uma celebração da energia deste pintor britânico, um dos maiores pintores contemporâneos, que convida aqui o público a ver o mundo com outros olhos. Esta exposição é sobre tempos; tempo meteorológico, tempo cronológico?

Guilherme Queiroz: É curioso, nós tivemos uma retrospectiva grande do David Hockney aqui em Paris, no Centro Pompidou, em 2017. Portanto, já passaram oito anos e, na altura, uma retrospectiva muito mais biográfica, muito mais desse tempo cronológico. Nesse sentido, esta exposição inova mais, no sentido de desconstruir um tempo cronológico para pensar muito mais a pintura e a presença de ocre enquanto tema: Passamos por salas que são completamente temáticas e que não têm medo de misturar anos, técnicas, abordagens, países. Vemos cores, muitas cores, vemos abordagens muito diferentes. Vemos o Yorkshire com a Normandia, vemos os Estados Unidos lado a lado com a carreira muito inicial de Hockney, mas, como dizes, é uma exposição centrada nos últimos 25 anos do artista, que tem, neste momento, se não estou em erro, 87 anos.

Hockney acompanha o mundo através da tecnologia?

É o que eu acho incrível na obra de Hockney e, principalmente, numa exposição deste calibre na Fundação Louis Vuitton, é que é um artista que não tem medo de arriscar.Não tem medo de experimentar. Eu acho que não tem medo de não ser levado a sério. Para mim, essa liberdade criativa que ele tem e que demonstra sem qualquer pudor. E falo desde as suas primeiras obras e acho que, nisso, a primeira sala que mostra esses primeiros anos é muito clara: desde o início é uma pintura quase que afronta. Até precisamente, e creio que é aquilo que chamará mais a atenção daqueles que visitarão esta exposição, e era algo que já estava presente no Pompidou, mas que aqui é completa: é a presença da pintura digital. Portanto, começamos com algumas experiências no computador, ainda, mas a grande maioria de, não sei se é a maioria das pinturas que nós vemos na exposição, mas existem salas que são exclusivamente compostas por pinturas feitas no iPad, que, como se ouvia na guia a explicar, Hockney costura e já mesmo os seus casacos com bolsos específicos do tamanho do iPad.

Bolsos à medida do iPad...

À medida do iPad. E, de facto, o iPad é a ferramenta e, lá está, sem nenhum pudor, sem receio dessa experiência e do que são técnicas menores ou técnicas maiores, de utilizar o iPad, que é o sonho dos impressionistas: Que é poder ir para o campo com muito menos do que um cavalete, não sei quantas tintas e uma tela, e é simplesmente o iPad. E ele domina como domina o acrílico ou o óleo em tela, domina o iPad de uma forma inimaginável, acho eu. É muito difícil, às vezes, estar lá e perceber que aquelas são pinturas que não são feitas com pincel e óleo, mas são exclusivamente digitais, conservando o domínio da cor, o domínio da perspectiva e o domínio da paisagem, da mesma forma como fazia há 30, 40 anos.

Independentemente de usar um pincel ou um pincel digital, o crepúsculo ou a luminosidade e o jogo que cruza entre os dois, fá-lo em qualquer um dos suportes, que seja uma tela ou uma tela digital?

Completamente. E nós comentávamos durante a exposição que, de facto, é de louvar o cuidado que a Fundação Louis Vuitton tem com a iluminação das peças, com a iluminação das salas, com a própria pintura das salas, que cria os ambientes perfeitos. Algumas pinturas, até comentávamos, que parecem retroiluminadas, como nas exposições de fotografia, em que a luz vem de trás das pinturas, porque os brancos e as cores eram tão vibrantes que, de facto, é raro muitas vezes vermos estas obras expostas. Não é só raro ver as obras expostas, mas é raro vê-las expostas desta forma.

Há uma das salas que é talvez a mais comentada, ou das mais comentadas, nas reportagens sobre a exposição, e que eu tinha bastante expectativa: é a sala das luas, em que retrata maioritariamente, mais uma vez com o iPad, a lua na paisagem, em que, de repente, saímos de uma sala extremamente luminosa e colorida para uma sala onde reina a luz da lua. E a maneira como isso se faz a nível de construção da exposição é brilhante.

Além do facto de, nesta exposição, falarmos da arte da pintura, mas também de música, lembrando que Hockney também fez muito trabalho em ópera...

...e é surdo. Esse primor visual, em combinação com a música, que ele diz que quer, a certa altura aparece a sua citação, que ele quer que os que vejam a ópera vejam, nos seus cenários e figurinos, a música que está a ser tocada. Isso é muito claro. Há uma sala que é a sala mais dinâmica, e não é interativa, mas é dinâmica e, de certa forma, sim, interativa.

Sim, que fala da ópera, é uma experiência extraordinária. E há uma coisa que eu quero apontar: de facto, algo que me chamou a atenção é que havia várias crianças na exposição e as crianças estavam completamente absorvidas pelas pinturas. Há uma parte da exposição que não é uma pintura, é um vídeo que une vários ecrãs e com uma certa desconexão e sincronia, como o Hockney já nos habituou. E havia uma criança que passou, à vontade, uns 15, 20 minutos a olhar completamente embebecida para o quadro, e vimos isso noutras salas. E, de facto, lembra-nos que Hockney quase que restaura ou recupera o nosso olhar inaugural da criança: Quando nós olhamos para as paisagens, quase que recuperamos em nós essa. Essa mirada inaugural das cores, da perspectiva, de como tudo vibra à nossa volta e tudo é maravilhoso. E como ele se despede da exposição. Isto não é um spoiler, mas... é de facto... "sabe-se menos do que nós pensamos".

Uma citação de Edvard Munch

Exactamente. A quem dedica esta última sala, ao pintor norueguês Edvard Munch e a William Blake. Tanto um como o outro sabiam bem que sabemos muito menos do que se pensa. E eu acho que nessa ligação, é essa inocência... não é uma inocência, não é uma inocência genuína pura do olhar...

Uma simplicidade.

É uma simplicidade. E um grande amor. Sente-se uma grande paixão pelo mundo. Esta ligação muito grande à realidade. Lembram-nos que, de facto, o mundo é muito mais maravilhoso do que nós pensamos, que o conhecimento que temos sobre ele ainda está muito aquém e que há ainda muito mais por descobrir.

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