Vida em França

França: líderes guineenses na oposição organizam-se desde Paris


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A 24 de Abril em Paris, os principais líderes da oposição guineense reúnem-se para elaborar um plano comum face ao actual poder em Bissau. É na capital francesa que chefes do PAIGC, APU-PDGB, a ala do PRS dirigida por Fernando Dias e outras formações políticas irão discutir a possibilidade de um candidato comum para futuras eleições no país e um programa político comum que perdure. 

Esta quinta-feira 24 de Abril, em Paris reúnem-se os ex-Primeiros-ministros Aristides Gomes, Domingos Simões Pereira do PAIGC, Nuno Nabiam (líder da APU-PDGB) e Baciro Djá do FREPASNA, os deputados Flávio Baticã Ferreira (PAIGC) e Agnelo Regalla (União para a Mudança), assim como Fernando Dias, líder de uma das duas alas do PRS, e ainda Jorge Fernandes do MDG.

Aristides Gomes e o deputado da diáspora pelo PAIGC Flávio Baticã Ferreira, residentes em Paris, posicionam-se como os facilitadores e moderadores deste encontro e responderam às questões da RFI, na véspera da reunião.

RFI: Porquê ter escolhido Paris como local de encontro entre líderes da oposição guineense? 

Aristides Gomes: Já houve encontros em Lisboa. Desta vez queremos aproveitar a projecção internacional de Paris, e termos acesso a outras áreas de cultura política, por exemplo, a área francófona africana. É mais fácil atingir essa área a partir de Paris do que a partir de Lisboa.

De uma maneira geral, queremos nos diversificar para que os problemas da Guiné-Bissau actuais, que são imensos, possam ser conhecidos pelo mundo fora. 

Flávio Baticã Ferreira: Achamos que era necessário, porque sentia-se uma espécie de falta de confiança entre os líderes políticos da Guiné-Bissau e seria bom que houvesse um encontro entre eles num campo completamente neutro, para se poder discutir cara-a-cara e sanear as fissuras que existia. 

Aristides Gomes: Já houve tentativas de congregação de partidos da oposição, mas desta vez nós queremos ir um bocadinho mais longe. Queremos entrar num debate sobre o que se deve fazer para a estabilização, a longo prazo, da situação política na Guiné-Bissau.

RFI: E o que é que se deve fazer?

Aristides Gomes: Um dos temas fundamentais será o tema ligado à estratégia de consolidação da democracia. O que será necessário fazer para que as instituições que foram demolidas pelo actual regime possam consolidar-se? Um programa comum deve ser debatido. Portanto, é preciso discutirmos. É preciso colocarmos esse imperativo no âmbito da estratégia eleitoral. É preciso que haja um consenso sobre os meios a utilizar para que isto não se repita.

RFI: Há outro ponto a abordar na reunião de amanhã, é a possível nomeação de um candidato comum para a segunda volta das eleições, no caso de um de vocês aceder à segunda volta das eleições?

Aristides Gomes: Vai haver um debate sobre a questão da desistência entre os candidatos da oposição. Portanto, caso houver uma segunda volta, estará tudo em aberto. Vamos ver o que sairá sobre de consenso sobre esse ponto.

RFI: Não há consenso ainda sobre esse ponto?

Aristides Gomes: Todas as questões estarão abertas. Estará também em aberto a questão de um programa comum, depois das eleições, pelo menos para um mandato. E se for necessário, para mais de um mandato. Porque a Guiné-Bissau, no plano institucional, no plano da economia, no plano das regras de funcionamento da governança... a Guiné-Bissau está em mau estado.

RFI: Imaginando que cheguem a consenso, que definem um candidato comum para a segunda volta das eleições, o que se passa depois? Como garantir uma união que vigore depois destas eleições?

Flávio Baticã Ferreira: Essa proposta ainda está em cima da mesa. São dois grandes blocos, um partido como o PAIGC... O Nuno Nabiam, que já foi candidato a eleições presidenciais... Talvez o Braima Camará. Está tudo em aberto. Agora é equacionar estes três candidatos. Mas quem escolherá o candidato? Os números de militantes são diferentes. Por isso, talvez a melhor forma é que todos participem nas eleições e caso chegar um deles à segunda volta,  a outra parte estará ao lado para poder apoiar. Mas caberá a eles decidir sobre isso.

Aristides Gomes: As regras podem ser definidas aqui. Eles têm que se entender sobre a maneira de levar os partidos e  as coligações a um entendimento sobre a maneira de se apresentar conjuntamente, quer nas eleições legislativas, quer nas eleições presidenciais.

Flávio Baticã Ferreira: E haverá também a possibilidade da criação de uma comissão de acompanhamento dos acordos assinados aqui em Paris.

RFI: No entanto, a oposição guineense contestou com muita força a data imposta por Umaro Sissoco Embaló para as eleições [a 24 de Novembro de 2025]. O facto de participar no escrutínio não legitima esta calendarização?

Flávio Baticã Ferreira:  Sim, sim, é verdade, é verdade. Mas daí que a oposição deve se unir para que isso não possa acontecer. Porque indo a eleições com a data marcada pelo Presidente da República, com a CNE e o Supremo Tribunal sem funcionar, será só "um passeio", como ele [Sissoco Embaló] costuma dizer.

Pode fingir que organizou e a partir daí, anuncia qualquer resultado. Vai-se a tribunal para um contencioso, tem lá tudo sob controle e acaba por ganhar. Daí, mais uma vez, a necessidade que a oposição tem de se organizar e criar essa comissão técnica que irá ao mundo informar o que realmente se está a passar na Guiné-Bissau. 

Aristides Gomes: Primeiramente, trata-se de contestar a legitimidade dessa marcação de data. Estamos nesta fase.

RFI: Como irão decorrer as campanhas eleitorais num contexto em que pode ser díficil para um líder da oposição, como Domingos Simões Pereira, estar presente fisicamente em Bissau? 

Aristides Gomes: Precisamente por isso é que temos necessidade destas discussões. Estamos a criar um clima em Paris propício para isso. Agora, o que se possa admitir é que a força continue a vigorar. Sempre foi usada a força coercitiva, a força de milícias para poder governar. 

RFI: Alguma vez se pôs a possibilidade de boicotar as eleições?

Aristides Gomes: É uma técnica utilizada por regimes repressivos. Criam uma situação em que toda a oposição fica amedrontada e acaba por não participar. É uma forma de repressão.

RFI: Há relatos de uma tentativa de aproximação e de diálogo da vossa parte com Braima Camará, líder do Madem-G15, substituído por Adja Satu Camará por decisão de Sissoco Embaló. Tem-se assistido a uma reaproximação nas últimas semanas entre ele e Sissoco Embaló. Em que ponto é que está a tentativa de diálogo com Braima Camará?

Flávio Baticã Ferreira: Bom, eu quando ouvi o senhor Braima Camará a falar de reconciliação, ninguém pode estar contra uma reconciliação. Mas se for uma reconciliação como nos habituámos na Guiné-Bissau, em que é preciso esquecer tudo o que aconteceu, isso... Para mim não é reconciliação.

De qualquer maneira passámos várias situações. Ninguém podia imaginar que um dia o PAIGC e o Madem-G15 poderiam sentar-se à volta de uma mesa a discutir. E isso está a acontecer.

Braima Camará é um político, e defende os seus interesses. Ele tem todo o direito. Para nós, o que passou, passou e vamos priorizar a Guiné-Bissau. Não podemos continuar nessas guerras durante décadas e décadas. Ninguém sairá a ganhar.

RFI: Iniciaram discussões com representações da União Europeia e francesas. O que poderá a União Europeia e a França fazer em relação a isto?

Aristides Gomes: Nós estamos a encetar contactos com todas as instituições internacionais. Estamos a trabalhar no sentido de influenciar a opinião pública, as ONGs, todo o movimento da sociedade civil, da sociedade política em todos os países. Na verdade, estamos a fazer um trabalho em prol da estabilização da Guiné-Bissau.

RFI: E tiveram alguma garantia de apoio até agora?

Aristides Gomes: Nós não estamos a pedir apoio. Estamos simplesmente a suscitar a compreensão à volta da da situação real que existe na Guiné-Bissau.

Esperamos que [a comunidade internacional] compreenda que os valores que apregoam estão a ser sistemáticamente violados com Umaro Sissoco Embaló. Estamos a confrontá-los com os seus próprios discursos. Os valores que decorrem da historicidade da Europa e, particularmente, da França.

Não estamos aqui a mendigar apoios. Sabemos que o nosso povo está com aqueles que defendem esses valores. A Guiné-Bissau é um país que conquistou a sua própria liberdade. Quando há eleições livres na Guiné-Bissau, as pessoas pronunciam-se pela estabilidade e pela liberdade.

RFI: Foram recebidos pelo ministério francês dos Negócios Estrangeiros, a 16 de Abril.

Flávio Baticã Ferreira: A reunião era prevista para 30 minutos, acabou por durar mais de duas horas. Ouviram e acreditaram no que dissemos. Agora, infelizmente, dei-me conta de que as informações que o Ministério de Negócios Estrangeiros [francês] tem em relação à Guiné-Bissau não correspondem com a realidade.

O embaixador [francês] que esteve [na Guine-Bissau] não se comportou como deve ser. Ele praticamente fez lá política a defender Umaro Sissoco. Isto assumo, já o disse várias vezes. A  partir daí, as informações reais são deturpadas. 

Agora a Guiné-Bissau já tem um novo embaixador francês. Espero que a partir de hoje será diferente. Mas uma coisa é certa. Conhecendo a França como conheço, apesar dos interesses de cada país a nível internacional, tenho a certeza de que se soubessem realmente o que se passa na Guiné-Bissau, a França teria uma outra postura.

Faz parte dessa nossa missão explicar a veracidade dos factos e pô-los perante o facto. Porque não se pode defender uma série de valores e continuar a estender tapete vermelho ao Presidente Sissoco, a bater as pessoas na Guiné-Bissau, na diáspora e até aqui em França, sem que ninguém diga nada.

De referir que depois da reunião desta quinta-feira 24 de Abril entre os líderes da oposição, vindos de Lisboa e Bissau, está previsto um encontro com a diáspora guineense no sábado 26 de Abril, também na capital francesa, para dar a conhecer o acordo político firmado. 

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