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Os universos de três coreógrafos que trabalham em Moçambique, França e Estados Unidos juntaram-se em “Plenum / Anima”, uma composição coreográfica apresentada na Philarmonie de Paris, este fim-de-semana. Este é um espectáculo feito “em contra-mão do que se passa no mundo”, descreve Ídio Chichava, o coreógrafo moçambicano que revisitou a “Sagração da Primavera” de Igor Stravinsky e que mostrou que a "escola moçambicana de dança" deve reivindicar o seu lugar nos palcos internacionais.
Este sábado e domingo, na Philarmonie de Paris, o coreógrafo moçambicano Ídio Chichava revisitou a “Sagração da Primavera” de Igor Stravinsky num espectáculo em que foram apresentadas mais duas obras dos coreógrafos Benjamin Millepied e Jobel Medina. Foi uma composição de três peças coreográficas de três criadores que têm escrito a sua história no mundo da dança graças às suas experiências migratórias: Chichava vive entre Moçambique e a França, Millepied entre a França e os Estados Unidos e Medina nasceu nas Filipinas e vive e trabalha em Los Angeles.
Numa altura em que se erguem muros e fronteiras, os universos dos três criadores juntaram-se na composição “Plenum / Anima”, um espectáculo feito “em contra-mão do que se passa no mundo”, nas palavras de Ídio Chichava, que falou com a RFI no dia da estreia.
O espectáculo tem um sentido muito forte que vai em contra-mão do que está a acontecer hoje no mundo. Na verdade, há estes três universos que se vão cruzar e que vão estar abertos à exposição e à compreensão e ao olhar mais outras pessoas. Para mim, este lugar que é muito mais humano, mas, por detrás disso, a interligação e o espaço em que todos nós podemos coexistir, com pensamentos totalmente diferentes, com ideias totalmente diferentes, com apreciações totalmente diferentes, com aquilo que é a dança e ainda mais pela forma como cada um vê a dança e onde a dança é criada. Estamos a falar de um olhar que é muito mais cultivado pela França, um lugar que é muito cultivado pelos Estados Unidos e outro que é muito mais cultivado por Moçambique. Então, esta noite, para mim, é uma sagração desse encontro de pensamentos totalmente diferentes, mas que, de certa forma, fluem e mostram um lugar de harmonia.
A composição “Plenum / Anima” começou com a obra coreográfica do francês Benjamin Millepied e da sua companhia baseada em Los Angeles, L.A. Dance Project, que dançou ao som de uma composição de Johann Sebastian Bach, “Passacaille et Fugue en ut mineur", composta entre 1706 e 1713. Seguiu-se a criação de Jobel Medina, a partir das “Danças Polovtsianas”, compostas em 1869 por Alexander Borodin. A fechar, Ídio Chichava apresentou a sua versão de “A Sagração da Primavera”, composta entre 1910 e 1913 por Igor Stravinsky, com bailarinos da companhia moçambicana Converge + (Osvaldo Passirivo, Paulo Inácio e Cristina Matola) e da companhia americana L.A. Dance Project.
As músicas intemporais dos séculos XVIII, XIX e XX foram interpretadas pelos organistas francês Olivier Latry e sul-coreana Shin-Young Lee, que criaram um novo olhar sobre as obras de Borodin e Stravinsky, já que apenas a partitura de Bach foi pensada originalmente para ser tocada num órgão de tubos.
Foi a partir deste lugar musical, descrito por Ídio Chichava como “mais orgânico e visceral”, que o coreógrafo desafiou um século de interpretações de “A Sagração da Primavera”. A sua proposta junta movimentos coreográficos de entrega, de luta e de resistência, a sons de cânticos de trabalho e de guerra, mas também afirma a escola moçambicana da dança como um lugar feito não apenas para se encaixar, mas também para se impor.
A primeira vez que escutei ‘A Sagração da Primavera’ de Stravinsky, sinceramente, fiquei completamente na selva porque a composição é muito eclética e, sinceramente não via a minha experiência como bailarino tradicional dentro daquela composição. Mas, mesmo assim, entrámos no desafio de desafiar o próprio tempo da música, o próprio ritmo da música e isso é que foi o primeiro chamativo para mim. Com a forma como nós aprendemos a dança em Moçambique podemos criar um contraponto, enriquecer mais a composição, trazer um outro olhar, uma outra apreciação diferente das que já têm sido apresentadas.
"A Sagração da Primavera” foi criada para um bailado apresentado pela primeira vez, em Paris, em 1913, no Teatro dos Campos Elísios, pela companhia Ballets Russes de Serge Diaghilev e coreografada por Nijinski, tendo, então, sido apontada como um escândalo. Porém, foi-se tornando uma referência e, ao longo do século XX, foi trabalhada por diferentes coreógrafos, como Maurice Béjart (1959), Pina Bausch (1975), Martha Graham (1984), Angelin Preljocaj (2001), Xavier Le Roy (2007), Heddy Maalem (2004), entre muitos outros. A assinatura de Ídio Chichava foi defender "a escola moçambicana de dança" e “desafiar as leituras pré-concebidas para esta obra”.
Eu venho sempre defendendo o lugar da nossa escola moçambicana de dança e de que forma ela se pode afirmar. Este foi o desafio, foi uma porta claríssima para desafiar, por um lado, as leituras que já são pré-concebidas para esta obra, e, de certa forma, foi também encaixar e partilhar com os outros bailarinos, que são americanos, a forma como nós aprendemos a música e a dança.
Sobre o que é essa “escola moçambicana de dança”, Chichava explica que é “marcar o tempo e, de certa forma, fazer contratempos no contratempo da música.” Para isso, também contribuiu o facto de a música ser tocada, pela primeira vez num espectáculo de dança, em órgãos de tubos.
O órgão já tem esse lugar que é muito orgânico. Ele dilui completamente aquele lugar mecânico da execução técnica da própria música. Depois, a forma como os dois músicos tocam, a sensibilidade, a escuta, isso cria uma segurança para nós em palco porque cria realmente esse lugar mais orgânico, mais de convivência. Tanto que não resisti, no final, em acabar a peça próximo dos músicos.
Os bailarinos dançam, batem com os pés de forma sonante, marcham, levantam-se, entoam cânticos e deixam sair sons gerados pelos movimentos. Os corpos prendem-se e desprendem-se em busca de liberdade, mas também se deixam levar, por uma qualquer força telúrica, que os empurra para a terra-mãe ou para a força matricial do palco. Os figurinos são aparentemente simples, com cores associadas à natureza e à “adoração da Terra”, em referência à própria história da “Sagração da Primavera”, na qual uma jovem seria sacrificada como oferenda a uma entidade divina, conforme um ritual de Primavera. Um mote violento que - admite Ídio Chichava - o fez pensar na história contemporânea de Moçambique e que também fez da peça um “espelho e um reflexo da situação” no seu país.
Os universos de três coreógrafos que trabalham em Moçambique, França e Estados Unidos juntaram-se em “Plenum / Anima”, uma composição coreográfica apresentada na Philarmonie de Paris, este fim-de-semana. Este é um espectáculo feito “em contra-mão do que se passa no mundo”, descreve Ídio Chichava, o coreógrafo moçambicano que revisitou a “Sagração da Primavera” de Igor Stravinsky e que mostrou que a "escola moçambicana de dança" deve reivindicar o seu lugar nos palcos internacionais.
Este sábado e domingo, na Philarmonie de Paris, o coreógrafo moçambicano Ídio Chichava revisitou a “Sagração da Primavera” de Igor Stravinsky num espectáculo em que foram apresentadas mais duas obras dos coreógrafos Benjamin Millepied e Jobel Medina. Foi uma composição de três peças coreográficas de três criadores que têm escrito a sua história no mundo da dança graças às suas experiências migratórias: Chichava vive entre Moçambique e a França, Millepied entre a França e os Estados Unidos e Medina nasceu nas Filipinas e vive e trabalha em Los Angeles.
Numa altura em que se erguem muros e fronteiras, os universos dos três criadores juntaram-se na composição “Plenum / Anima”, um espectáculo feito “em contra-mão do que se passa no mundo”, nas palavras de Ídio Chichava, que falou com a RFI no dia da estreia.
O espectáculo tem um sentido muito forte que vai em contra-mão do que está a acontecer hoje no mundo. Na verdade, há estes três universos que se vão cruzar e que vão estar abertos à exposição e à compreensão e ao olhar mais outras pessoas. Para mim, este lugar que é muito mais humano, mas, por detrás disso, a interligação e o espaço em que todos nós podemos coexistir, com pensamentos totalmente diferentes, com ideias totalmente diferentes, com apreciações totalmente diferentes, com aquilo que é a dança e ainda mais pela forma como cada um vê a dança e onde a dança é criada. Estamos a falar de um olhar que é muito mais cultivado pela França, um lugar que é muito cultivado pelos Estados Unidos e outro que é muito mais cultivado por Moçambique. Então, esta noite, para mim, é uma sagração desse encontro de pensamentos totalmente diferentes, mas que, de certa forma, fluem e mostram um lugar de harmonia.
A composição “Plenum / Anima” começou com a obra coreográfica do francês Benjamin Millepied e da sua companhia baseada em Los Angeles, L.A. Dance Project, que dançou ao som de uma composição de Johann Sebastian Bach, “Passacaille et Fugue en ut mineur", composta entre 1706 e 1713. Seguiu-se a criação de Jobel Medina, a partir das “Danças Polovtsianas”, compostas em 1869 por Alexander Borodin. A fechar, Ídio Chichava apresentou a sua versão de “A Sagração da Primavera”, composta entre 1910 e 1913 por Igor Stravinsky, com bailarinos da companhia moçambicana Converge + (Osvaldo Passirivo, Paulo Inácio e Cristina Matola) e da companhia americana L.A. Dance Project.
As músicas intemporais dos séculos XVIII, XIX e XX foram interpretadas pelos organistas francês Olivier Latry e sul-coreana Shin-Young Lee, que criaram um novo olhar sobre as obras de Borodin e Stravinsky, já que apenas a partitura de Bach foi pensada originalmente para ser tocada num órgão de tubos.
Foi a partir deste lugar musical, descrito por Ídio Chichava como “mais orgânico e visceral”, que o coreógrafo desafiou um século de interpretações de “A Sagração da Primavera”. A sua proposta junta movimentos coreográficos de entrega, de luta e de resistência, a sons de cânticos de trabalho e de guerra, mas também afirma a escola moçambicana da dança como um lugar feito não apenas para se encaixar, mas também para se impor.
A primeira vez que escutei ‘A Sagração da Primavera’ de Stravinsky, sinceramente, fiquei completamente na selva porque a composição é muito eclética e, sinceramente não via a minha experiência como bailarino tradicional dentro daquela composição. Mas, mesmo assim, entrámos no desafio de desafiar o próprio tempo da música, o próprio ritmo da música e isso é que foi o primeiro chamativo para mim. Com a forma como nós aprendemos a dança em Moçambique podemos criar um contraponto, enriquecer mais a composição, trazer um outro olhar, uma outra apreciação diferente das que já têm sido apresentadas.
"A Sagração da Primavera” foi criada para um bailado apresentado pela primeira vez, em Paris, em 1913, no Teatro dos Campos Elísios, pela companhia Ballets Russes de Serge Diaghilev e coreografada por Nijinski, tendo, então, sido apontada como um escândalo. Porém, foi-se tornando uma referência e, ao longo do século XX, foi trabalhada por diferentes coreógrafos, como Maurice Béjart (1959), Pina Bausch (1975), Martha Graham (1984), Angelin Preljocaj (2001), Xavier Le Roy (2007), Heddy Maalem (2004), entre muitos outros. A assinatura de Ídio Chichava foi defender "a escola moçambicana de dança" e “desafiar as leituras pré-concebidas para esta obra”.
Eu venho sempre defendendo o lugar da nossa escola moçambicana de dança e de que forma ela se pode afirmar. Este foi o desafio, foi uma porta claríssima para desafiar, por um lado, as leituras que já são pré-concebidas para esta obra, e, de certa forma, foi também encaixar e partilhar com os outros bailarinos, que são americanos, a forma como nós aprendemos a música e a dança.
Sobre o que é essa “escola moçambicana de dança”, Chichava explica que é “marcar o tempo e, de certa forma, fazer contratempos no contratempo da música.” Para isso, também contribuiu o facto de a música ser tocada, pela primeira vez num espectáculo de dança, em órgãos de tubos.
O órgão já tem esse lugar que é muito orgânico. Ele dilui completamente aquele lugar mecânico da execução técnica da própria música. Depois, a forma como os dois músicos tocam, a sensibilidade, a escuta, isso cria uma segurança para nós em palco porque cria realmente esse lugar mais orgânico, mais de convivência. Tanto que não resisti, no final, em acabar a peça próximo dos músicos.
Os bailarinos dançam, batem com os pés de forma sonante, marcham, levantam-se, entoam cânticos e deixam sair sons gerados pelos movimentos. Os corpos prendem-se e desprendem-se em busca de liberdade, mas também se deixam levar, por uma qualquer força telúrica, que os empurra para a terra-mãe ou para a força matricial do palco. Os figurinos são aparentemente simples, com cores associadas à natureza e à “adoração da Terra”, em referência à própria história da “Sagração da Primavera”, na qual uma jovem seria sacrificada como oferenda a uma entidade divina, conforme um ritual de Primavera. Um mote violento que - admite Ídio Chichava - o fez pensar na história contemporânea de Moçambique e que também fez da peça um “espelho e um reflexo da situação” no seu país.
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