Em Julho de 1945, quando as ruínas da guerra ainda fumegavam na Europa, na China ou no Japão, representantes de 50 países reuniram-se em São Francisco, nos Estados Unidos, para aprovarem a carta das Nações Unidas. Harry Truman, o presidente da época, deu conta no seu discurso das barreiras que tiveram de superar para chegarem a um texto votado por unanimidade. Um texto que falava em nome de nós, o povo das nações unidas, propunha o fim da guerra que trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, reafirmava a fé nos direitos fundamentais do homem, reclamava a manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional e prometia promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade.
O que resta dessa esperança e desse sentimento partilhado para o futuro é pouco. E é cada vez menos. Nestes 80 anos, a ONU foi uma coutada dos cinco vencedores da guerra (a União Soviética, depois a Rússia, os Estados Unidos, a França, Reino Unido e a China) reunidos num Conselho de Segurança que se esfacelou na Guerra Fria. Nessas décadas, o mundo regressou à guerra na Coreia, no Vietname, nas frentes do colonialismo e das ex-colónias. Mas, apesar de tudo, a ONU continuava a ser um depósito para a esperança no diálogo e no respeito pelo direito humanitário internacional. Hoje, com a carnificina em Gaza e a barbárie russa na Ucrânia, com o fim do espírito do multilateralismo, a competição geopolítica desenfreada e um presidente americano que quer a América Great Again à custa dos seus aliados ou adversários, a letra e o espírito da carta de há 80 anos parecem uma realidade muito distante.
Em crise, a ONU corta nas despesas e reduz a sua acção humanitária. António Guterres, o seu secretário geral, sabe que os tempos de glória e da esperança num mundo mais seguro, justo e esperançoso se desvaneceram. Parabéns à ONU. Mas até quando?
Para falarmos sobre este aniversário, temos connosco o professor Adérito Vicente, cientista político e investigador do IPRI - Instituto Português de Relações Internacionais.
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