Estávamos em 2023 e, depois da pior colheita de cereais em Portugal do último século, José Palha, presidente da Associação Nacional de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais alertava nesta reportagem do Faça chuva ou faça sol, da RTP 2, para uma das maiores vulnerabilidades do nosso país: a dependência extrema do bem essencial para a alimentação humana, os cereais. No ano passado, Portugal só produziu 17,9% das suas necessidades de consumo de cereais, exceptuando o arroz, e as organizações de produtores do trigo ou do milho lançaram um alerta sobre os riscos que correm centenas de explorações. A crise que vivem, avisam, está a ameaçar o que resta de um sector estratégico para a soberania nacional.
Se em 2022 a seca deu origem a uma colheita catastrófica, a viabilidade deste segmento da agricultura portuguesa está agora em causa por causa dos preços. Nos últimos 6 anos, desde a campanha 2020, dizem os produtores, os custos médios aumentaram cerca de 55% enquanto o cereal valorizou apenas 20%. Para lá da asfixia dos preços, os agricultores queixam-se de terem de adoptar regras ambientais, fitossanitárias e laborais muito exigentes que não são seguidas por países exportadores como o Brasil ou a Ucrânia. A combinação de preços em queda com custos em alta pode levar alguns agricultores a desistir da cultura. Se isso acontecer, a crise da dependência estrutural do país agrava-se.
Vale a pena lembrar que no actual conceito estratégico de defesa nacional a incapacidade de o país produzir o que come é considerado um problema grave. Que não é de agora. Portugal jamais teve solos e clima ajustado às grandes culturas cerealíferas. Salazar tentou a auto-suficiência com uma campanha do trigo em 1929 e provocou um desastre ambiental. Os produtores nacionais de milho de regadio estão entre os mais eficientes do mundo, mas a exiguidade das áreas regadas trava o seu crescimento potencial. Os governos do PS e o actual lançaram e relançaram estratégias para elevar o nosso nível de abastecimento para 50%. Pouco ou nada foi feito entretanto. Portugal é, juntamente com Malta e a Holanda, o país que mais depende de terceiros para ter os cereais que precisa. Para agravar o cenário, se em tempos a União Europeia produzia mais cereais dos que consumia, agora a realidade é outra. Mais do que nunca, o país regressa à discussão da sua soberania alimentar.
Jorge Neves, presidente da Anpromis, a associação que reúne os produtores de milho, está connosco neste episódio para nos ajudar a perceber o que está em causa e o que pode ser feito para aliviar o país desta dependência.
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